Os 7 Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes, os 6 Passos para Acelerar Resultados e Decolar, as 201 Maneiras de Enlouquecer um Homem na Cama, as 100 Maneiras de Motivar as Pessoas, as 53 Maneiras de Acalmar a Mente e Aproveitar a Vida… Você já reparou a quantidade de livros e artigos baseados em listas? Embora eu aposte nas boas intenções de muitos dos autores e editores dessas publicações, que talvez descobriram nas listas uma forma de simplificar a vida, ampliando o acesso a conteúdos que realmente podem ser úteis às pessoas, o risco é justamente a banalização do que não deveria ser tratado como uma receita de bolo.
Basicamente, receitas são excelentes para o preparo de bolos e muitas outras coisas que, sob certas condições, comportam-se de modo previsível ou, no mínimo, podem ser acompanhadas e até controladas por meio de algum processo. Pessoas não funcionam assim. Pessoas não são previsíveis e nem podem ser controladas por algum processo, o que quer dizer que seguir os passos de outra pessoa não lhe fará necessariamente chegar ao mesmo lugar que essa pessoa chegou.
Modelos lineares aplicados ao preparo de um bolo permitem que qualquer pessoa que saiba ler e acender o forno consiga preparar um bolo. Modelos lineares aplicados a uma pessoa não lhe ajudam a desenvolver todas as suas capacidades, mas apenas as que foram contempladas num modelo que alguém criou, provavelmente, porque deu certo em algum momento, em algum lugar, com alguma pessoa. E até mesmo esse resultado não é garantido.
Feedback sanduíche
Você começa elogiando um colaborador de sua equipe por algo que ele fez, em seguida aponta uma oportunidade de melhoria e fecha a conversa fazendo mais um elogio. Esse é o “feedback sanduíche”, que muitos gestores já experimentaram na ânsia por um modelo de avaliação de desempenho que funcione. O problema é que às vezes ele de fato funciona e, quando funciona, induz quem o aplica a acreditar que irá funcionar com qualquer pessoa. E quando alguém não se encaixa nessa lógica, o problema, claro, está com a pessoa e não com a ideia estapafúrdia de aplicar uma fórmula matemática para lidar com questões complexas como desempenho.
Num certo momento da entrevista sobre o livro “Diálogos com CEOS — Conversas que Transformam” para o programa Mundo Corporativo da Rádio CBN de São Paulo (assista clicando aqui), o jornalista Milton Jung mencionou a conversa com um CEO de uma empresa, onde este dizia que a maioria dos manuais de liderança para quem chega ao comando de uma empresa costuma preconizar que, primeiro, deve-se estruturar os processos, providenciar tecnologia para esses processos para, finalmente, cuidar das pessoas. “Não deveria ser gente em primeiro lugar?”, indaga o jornalista.
A pergunta é quase retórica, afinal quem ousaria não concordar com o enunciado? No entanto, foi exatamente o que fiz. No lugar de aceitar mais uma vez um modelo como solução para tudo — no caso, o modelo do “Gente em Primeiro Lugar” -, ofereci alguns exemplos de caminhos diferentes. O que não quer dizer, obviamente, que as pessoas não são importantes, mas que um CEO que lidera uma transformação terá que analisar o máximo de variáveis possível para decidir, caso a caso, o próximo passo a dar. Esse passo pode tanto ser colocar as pessoas em primeiro lugar ou, circunstancialmente, focar-se nos processos e nas tecnologias. O importante é entender que o contexto onde uma organização se move é vivo e, portanto, instável, imprevisível e não pode ser regido por manuais, que são muito mais adequados ao mundo dos bolos e das máquinas.
Lógica da vida é outra
Vivendo sob a pressão constante e crescente da mudança, a atração de seguir um caminho pronto é quase irresistível. Aparentemente, poupa-nos esse bem super precioso chamado tempo e diminui potenciais riscos, afinal alguém já testou e validou esse modelo antes, né? E aí está a armadilha: que lógica atesta que o que funcionou para uma pessoa ou até mesmo para um grupo de pessoas funcionará para todas as pessoas? Eu lhe respondo: a mesma lógica que rege os bolos e que pressupõe que a solução de uma questão complexa é, paradoxalmente, consequência de um processo linear, por isso tantas receitas do tipo passo-a-passo. Como, obviamente, não somos bolos, esta lógica não nos serve de modo algum.
E sim, eu já sucumbi ao atalho de organizar minhas ideias numa lista de passos ou maneiras de fazer algo. Mas a maior prova de que não levei minha lista a sério é que, se me perguntarem de bate e pronto, não serei capaz de me lembrar exatamente do que se tratava. Essa é a maior vantagem de ter se tornado imune à maldição das receitas de bolo. Elas vêm, cumprem seu papel de chamar a atenção para uma ideia específica ou um conjunto de ideias e logo se tornam obsoletas, posto que a vida segue inventando caminhos em um livro de receitas surpreendentes, reescritas o tempo todo.
Artigo originalmente publicado no blog Gestão Fora da Caixa da Exame.com