Um aspecto de grande importância é a linguagem. Em geral entendemos o que é a nossa capacidade de nos comunicar com palavras (de forma oral ou por símbolos) de uma maneira superficial. Para muitos ela é quase unicamente uma maneira de trocar informações sobre coisas que surgem à nossa frente, do que estamos sentindo ou desejamos fazer. Claro, ela se presta a usos mais sofisticados, como filosofar, declamar poesias, mentir, fazer política… Mas a linguagem é muito mais. Ela é capaz de imputar significados a objetos e a fenômenos que vão muito além da mera descrição de suas características físicas. E ao fazer isso, ela conecta palavras com emoções, cria realidades, fabrica mundos.
Um exemplo singelo talvez mostre esse poder da linguagem em criar realidades. Imagine que você está caminhando do lado de um amigo por um campo. Há arbustos e arvoredos por ali. Em determinado momento, seu amigo para diante de uma árvore pequenina, sem flores, poucas folhas, sem qualquer característica marcante. Você a olha indiferente. É apenas um arbusto, um mato qualquer, sem importância. No entanto, seu amigo aponta para a planta e diz: “macieira”. E, então, tudo se transforma. Imediatamente surge uma montanha de significados à sua mente. E aquele “matinho” você associa sensações de toda espécie: pode ser tomado por uma urgência em comer maçãs ou pensar no bíblico Fruto Proibido, Adão e Eva, lembrar-se da serpente, de Deus, do pecado. Essa última associação pode fazer surgir pensamentos sensuais, inspirados por toda a simbologia que envolve a maçã. Imaginar que foi ao ver uma fruta caindo de uma árvore como aquela que Isaac Newton teve o insight sobre a lei da gravidade, lhe fará recordar de sistemas planetários, galáxias ou como você foi um mau aluno em Física. Isso lhe trará à mente seu pai irritado com suas notas baixas na escola ou, em uma remota tarde no circo, comprando uma maçã do amor para você, na infância. Toda essa repentina tempestade de sensações foi disparada por apenas uma única palavra “macieira”.
A linguagem vai além da palavra, dos fonemas. Pode ser não verbal: um gesto com a mão, um levantar de sobrancelhas, um piscar de olhos também geram profundos significados. O que nos interessa, portanto, é essa fantástica capacidade da linguagem criar significados, construir mundos e, claro, possibilitar nossa interação com os outros. “A existência de uma realidade compartilhada é o ponto central para estabelecermos relacionamentos”, escreve Kenneth J. Gergen em seu livro, Um convite para uma construção social.
“Ou seja, temos de ter pelo menos um acordo rudimentar sobre o que existe. Se alguém vive em um mundo em que há poderes divinos, espíritos do mal e homens santos e outra pessoa acredita em um mundo composto por neurônios, sinapses e endorfinas, certamente elas terão dificuldade em manter um relacionamento profundo; mas para que exista uma troca mínima entre eles, é preciso que usem palavras similares para ocasiões similares. Por exemplo, é indispensável que essas duas pessoas estejam de acordo sobre o significado de frases como: ‘vire à direita na próxima esquina’, ‘nos encontramos às 8h da noite’ ou ‘vamos tomar uma cerveja’.”
Mesmo frases simples como essas, que parecem comandos mecânicos, nunca soam nem são percebidas de maneira neutra por nós. “As palavras não são inócuas, e não dá no mesmo que usemos uma ou outra numa situação determinada”, diz o neurobiólogo chileno Humberto Maturana. “As palavras que usamos não revelam apenas nosso pensar, mas projetam o curso do nosso ‘fazer’.” Maturana diz, ainda, que há uma forte relação entre as emoções e o conversar.
“Vivemos uma cultura que desvalorizou as emoções em função de uma supervalorização da razão, num desejo de dizer que nós, os humanos, nos diferenciamos dos outros animais porque somos seres racionais. Porém, o fato é que somos mamíferos e, como tais, animais que vivem na emoção. As emoções não são obscurecimentos do entendimento, não são restrições à razão. Nada acontece conosco, nada fazemos que não esteja definido como um tipo de ação e acompanhado de uma emoção que a torna possível.”
Como as ações estão sempre acompanhadas por alguma emoção, dificilmente iríamos nos divertir tomando uma cervejinha com um robô, uma máquina incapaz de compartilhar sentimentos. Mas o que importa é saber como se materializa, no mundo corporativo, essa nossa condição de mamíferos que vivem na emoção, e as transmitem ao dar significado às palavras. A Pampili, a fabricante de sapatos infantis, é um exemplo emblemático. Na empresa, os departamentos recebem o nome de UNEP — Unidade de Negócios Progressista. O que foi um dia o Departamento Financeiro da empresa, hoje se chama “Serviços, Sonhos e Soluções”. Basta ler este nome para entendermos o que se faz ali e, mais: termos a sensação de que trabalhar ali deve ser bom e estimulante. E essa nomenclatura surge afinada com o propósito declarado da Pampili, em ser uma inspiração no mundo rosa da menina e ter um jeito rosa de olhar.
As organizações inovadoras que dão grande ênfase à sua cultura têm uma atenção especial à escolha das palavras. Quando chamam as pessoas que trabalham ali de colaboradores, associados ou colegas, isto já traz um significado muito diferente de empregados ou funcionários. Quando na Semco, a estrutura organizacional é chamada de Redondograma, todos sabemos que isto é diferente de um Organograma!
Mauricio Goldstein é fundador e sócio da Corall