Normalmente, quem trabalha com Educação se encanta com o ambiente estudantil logo na infância. Este não é o caso de Luciana Allan, diretora do Instituto Crescer. Para ela, a escola não fazia muito sentido.
Isso mudou quando ela passou a atuar no laboratório de informática de um colégio em São Paulo. Durante os anos 90, os computadores ainda estavam sendo utilizados de forma embrionária no ensino brasileiro e este ambiente praticamente inabitado se apresentou como o início de sua bem-sucedida trajetória.
Após se especializar na área, encontrou na iniciativa social de sua família, o Instituto Crescer, o perfeito cenário para atuar com tecnologia aplicada à educação. Nesta entrevista para o Blog da Corall, Luciana comentou a intrínseca relação entre o ensino e o mercado de trabalho, como empresas podem encontrar os melhores profissionais e quais os componentes necessários para liberar o máximo do potencial das pessoas.
Confira os principais trechos da entrevista.
Fale um pouco de sua trajetória e como surgiu o desejo de atuar na área de Educação.
L.A. É curioso, mas o desejo de atuar com Educação veio de uma aluna que nunca se encontrou na área. Para mim, a escola não fazia sentido. As propostas não me motivavam e não traziam sentido para minha vida. Quando me formei, tinha uma grande paixão por exatas e decidi prestar vestibular para algo relacionado à Matemática. Me matriculei no curso de Ciências Matemáticas com ênfase em Informática, ainda na época que os computadores estavam chegando ao mercado. O assunto era uma verdadeira novidade e me trouxe oportunidades de conhecer um novo campo.
Formada, passei a buscar oportunidades como professora de Matemática. Acabei encontrando uma escola particular em São Paulo que me ofereceu o desafio de assumir seu laboratório de informática. O diretor deste colégio notou esta experiência na minha graduação. Na época, os computadores estavam começando a ser aplicados na Educação e muitas instituições não sabiam exatamente como aplicá-los no processo de ensino e aprendizagem. Assumi a posição sem saber operar esses equipamentos bem, pois durante a universidade a ênfase era em programação. Mas vi aquilo como um desafio interessante, pois já era inquieta e cheia de energia.
No laboratório, iniciei minha trajetória em um espaço mais lúdico, que os alunos realmente desejavam estar. Lá podia, de fato, ousar e desafiá-los. Com isso, aprendi muito sobre tecnologia. Tudo que sei hoje sobre computadores, foi aprendido naquele lugar, de forma conjunta com os estudantes. Foi uma época interessante e me trouxe uma nova perspectiva da área de Educação. Passei a observar que essas máquinas poderiam auxiliar, e muito, no processo de aprendizagem.
Como estávamos na década de 90, esta discussão ainda era muito preliminar. Poucas pessoas discutiam esse tema. Mas encontrei na Escola do Futuro, na Universidade de São Paulo, um grupo que fazia pesquisas sobre o assunto e, em paralelo ao meu trabalho no laboratório, me engajei neste espaço para entender melhor todo o potencial que a tecnologia tinha.
Lá, fiz meu mestrado em Ciências da Comunicação com o Professor Fredric Michael Litto, americano, verdadeiro visionário sobre tecnologia aplicada à Educação e, na época, coordenador científico desse grupo. Ele é verdadeiramente apaixonado pelo Brasil, frequentava o MIT e sempre trazia ideias que, para nós na época, pareciam lunáticas, mas que hoje são equipamentos disponíveis, como impressoras 3D e tablets. Em seguida, me aprofundei mais na área pedagógica em meu doutorado, também na USP.
Então, fui transformando minhas habilidades em oportunidades de formação de professores e hoje estou na direção do Instituto Crescer, onde acompanho uma série de projetos relacionados à aplicação de tecnologia na Educação, não só no Brasil, mas em outros Países, como Argentina e Paraguai. Outro aspecto interessante é que possuímos parcerias com muitas empresas que levam essa reflexão para a área pública. Nosso interesse é buscar novos caminhos para encontrar uma nova Educação e levar a sociedade a este debate.
Como o Instituto Crescer surgiu?
L.A. A iniciativa surgiu em 2000 por meio do meu pai, engenheiro de formação, mas um verdadeiro apaixonado pela área social, tendo sempre trabalhado no desenvolvimento de pessoas. Quando se aposentou, quis dar continuidade a essas ações e criou o Instituto.
Em 2002, cheguei no Instituto e passei a atuar na área de Educação com mais intensidade. Além de trabalhar em projetos para comunidades, instituímos a formação de professores para uso de tecnologia. Hoje, estamos organizados em quatro áreas: desenvolvimento para educação básica, estudo e implementação de tecnologia educacional, desenvolvimento comunitário e qualificação profissional de jovens.
“A escola deveria entender o mercado e preparar o jovem adequadamente para que ele tenha oportunidades efetivas de empregabilidade. Na prática, isso não acontece (…) Essa inconexão gera falta de oportunidades. A relação deveria ser mais estreita, pois com um contingente de pessoas bem preparadas, surgem novas oportunidades e a economia é fortalecida”
Qual a relação da Educação com o mercado de trabalho? Nossas escolas e universidades estão preparadas para formar os profissionais do futuro?
L.A. Muito pouco. Esta relação deveria ser totalmente intrínseca. A escola deveria entender o mercado e preparar o jovem adequadamente para que ele tenha oportunidades efetivas de empregabilidade. Na prática, isso não acontece. E muitos relatórios internacionais comprovam que existe essa profunda desconexão.
Essa inconexão gera falta de oportunidades no mercado. Muitas vezes, vagas existem, mas os jovens não estão preparados para assumir esses postos. Em outros casos, empresas multinacionais evitam trazer seus negócios para o Brasil, pois em determinadas áreas não se encontra mão de obra qualificada.
A relação deveria ser mais estreita, pois com um contingente de pessoas bem preparadas, surgem novas oportunidades de empregabilidade e a economia é fortalecida.
Segundo a empresa de tendências Sparks & Honey, curiosas ocupações serão profissões no futuro, como curador digital especializado na recomendação de hardwares e softwares e especialista em impressão 3D. Como profissionais da Educação e executivos de corporações podem contribuir na formação desses futuros profissionais?
L.A. De várias formas. As empresas têm o papel extremamente importante de demonstrar a prática do mercado e criar oportunidades para que os jovens vivenciem e experimentem essa realidade. O começo pode ser simples, como visitação em bases operacionais, como fábricas e escritórios, para discutir a rotina nesses espaços. E é algo que os jovens adoram!
Outro aspecto diz respeito a apoiar o desenvolvimento de projetos que tenham a ver com a natureza do serviço da empresa e que ofereçam a oportunidade da participação de pessoas de fora, inclusive jovens. E ainda criar estratégias e ações pertinentes. Por exemplo, a Microsoft tem um programa que estimula jovens a desenvolverem aplicativos. Dessa forma, traz um direcionamento que tem tudo a ver com o mercado em que ela opera. E, quem sabe, a pessoa que se inscreve em um campeonato como esse pode atuar na organização no futuro.
Você é embaixadora de projetos que incentivam as disciplinas STEAM (Ciência, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática), que estimulam estudantes a colocar a mão na massa para criar, planejar, desenvolver e implementar uma série de ações. Como você relaciona esse tipo de aprendizagem com as próximas gerações? Seria esse o caminho para formar melhores profissionais e até mesmo cidadãos?
L.A. Gosto muito desses projetos e acredito que esta é uma das metodologias que podem estar mais presentes dentro da escola. Mas não pode ser a única. Existem milhares de estratégias de ensino que podemos promover.
O STEAM traz a oportunidade de se trabalhar em projetos que englobam diferentes áreas. Dessa forma, alunos podem, por exemplo, atuar com a concepção e criação de um carro elétrico ou outro equipamento. Dentro disso, pensam em toda a estratégia de marketing, identidade visual, administração financeira, captação de recursos, gerenciamento de redes sociais, etc. E, desta forma, as matérias acabam entrando no contexto do projeto, o currículo escolar fica presente, mas de forma extremamente motivadora.
Por meio deste engajamento, uma série de competências essenciais no mercado são trabalhadas. E a desconexão que falei há pouco começa a diminuir. Então se aprende a trabalhar em equipe, se comunicar melhor, estruturar um projeto, fazer administração de tempo, cálculos, etc. Acredito que esta é uma das possibilidades de inovação e que tem tudo a ver com o atual momento da sociedade e o perfil do jovem de hoje, que gosta de ser desafiado e criar.
“O fato é que ninguém nega que a Educação que existe hoje não pode continuar. Ela não encanta, os alunos não querem estudar, o que gera uma evasão enorme e muitos não veem significado neste processo. Isso deve ser pensado com urgência, pois o Brasil precisa encontrar um novo posicionamento como sociedade, mercado de trabalho e economia.”
Como você avalia os movimentos de reforma da Educação Pública que vêm sendo discutidos no âmbito do Congressso?
L.A. Creio que estamos no caminho certo. Mas, claro existem muitas questões a serem pensadas. Destaco como positiva a oportunidade de um ensino profissionalizante em que os jovens ao longo do ensino médio já são preparados para uma profissão. O fato do currículo ser quebrado também me agrada muito. Isso traz mais flexibilidade da grade e possibilita que se trabalhe mais com projetos diferentes. De toda forma, esta discussão é ampla e deve ser estendida para toda a sociedade. O importante é manter este assunto em pauta.
Quais elementos fazem parte de sua agenda de transformação? Quais os componentes necessários para liberar o máximo do potencial das pessoas?
L.A. Para mim, o elemento chave é sempre pensar que qualquer oportunidade de desenvolvimento de pessoas deve se reverter em momentos de aprendizagem significativa. A verdadeira transformação acontece quando se consegue trazer uma nova percepção de mundo e que a pessoa se sinta estimulada à frente de um desafio. E isso gera engajamento, autonomia, curiosidade e dá um novo sentido para a vida.