Lições da violência racial no pensar de modelos organizacionais. Por Marcio Svartman, consultor Corall.
Representantes da supremacia branca nos Estados Unidos foram foco de violentas reações nesta semana, na cidade de Charlotte. Enquanto bradavam agressões a judeus, negros e gays, uma horda de cidadãos indignados se opuseram violentamente, gerando confrontos que levaram a dezenas de feridos e uma morte. Curiosamente, nesta mesma semana, muito do nosso foco esteve sobre o tema da diversidade. O fato ocorrido nesta pequena cidade norte-americana na Virgínia, coloca luz sobre um aspecto inegável deste tema. O encontro entre diferenças, gera atrito. O que por vezes esquecemos é que o atrito é energia, e a violência é apenas um entre os muitos resultados possíveis para um excedente de energia gerado. Por fim, sim, a diversidade é um gerador de energia. Mais do que a construção de um mundo de maior aceitação, uma das maiores razões para que as organizações sigam desenvolvendo sua capacidade de gerar e manter ampla diversidade interna, é que isto é um imenso gerador de energia. E energia é, no mundo todo, um escasso recurso.
Um dos grandes desafios é o fato de que não conseguimos armazenar energia gerada. É preciso dar a ela caminhos imediatos de utilização. Mas ela pode ser transportada. A energia gerada pela água que atravessa as turbinas de uma usina em um canto do país, pode ser utilizada em uma cidade a milhares de quilômetros, desde que haja estruturas prontas a permitirem que ela siga seu caminho. Mas há que se considerar que o transporte consome parte dos recursos também. A energia gerada em uma empresa precisa ser utilizada, caso contrário, se perde. Ou pior, acaba eclodindo em eventos indesejáveis, que nada favorecem as organizações a chegarem em seus objetivos.
Olhemos agora para a energia potencial da diversidade. Se trazemos o diferente para dentro de um universo novo, temos atrito. Novos olhares, novas formas de fazer e mesmo sentimentos de excitação ou de repulsão imediatamente criarão pressão sobre o status quo e questionamentos sobre o modelo soberano. A maioria das organizações hoje consegue lidar com a aceitação das diferenças superficiais. Cores distintas e nacionalidades distintas, gêneros múltiplos, formas diferentes de vestir e falar podem conviver juntos, desde que alguns padrões de convivência e trabalho sejam seguidos. Mas como seguir ampliando a liberdade destes processos de interação entre diferenças, permitindo que mais quantidade da energia gerada seja dirigida a resultados, e menos dela dirigida a homogeneizar as diferenças e fortalecer a imobilidade?
A resposta está em estruturas adequadas para captarem e darem fluxo a esta potência. Quando o novo chega em sua organização, é ele que muda ou é a sua organização em si que se transforma? Organizações, para aproveitarem as diferenças e toda a riqueza trazida pela diversidade, devem ter estruturas completamente maleáveis, que tenham a capacidade de adaptar-se completamente à chegada do novo. Se a diversidade em sua empresa estiver baseada na capacidade do novo em adaptar-se a ela, perceba que você não está fazendo uso algum da riqueza potencial trazida pelas diferenças.
A discussão volta-se, portanto, a como fazer isto? Como criar organizações potentes, com alta capacidade de perceber e usar novas energias disponíveis, mesmo quando vindas do atrito. Organizações ainda tendem, muitas vezes, a ter mais clareza sobre seus processos do que sobre seu propósito. Aí há um primeiro fator dispersor de energia, pois, se o processo é o que me dá identidade, precisarei zelar por ele, e assim, gerarei rigidez. E a a rigidez leva a energia do atrito a tornar-se violenta. Cada vez mais o propósito deve ser claro, e atuar como um elemento gerador de identidade e direcionador das ações e decisões. Só assim podemos ter processos flexíveis que mudem sem ameaçar a organizações em sua identidade e objetivos.
Com a clareza colocada sobre o propósito, pessoas poderão gozar de muito mais liberdade, criando acordos internos que façam sentido para cada pequeno núcleo de trabalho, diminuindo a necessidade de ampla homogeneização na empresa, o que evidentemente torna ela mais orgânica e espontânea. A capacidade adaptativa aumenta, e a velocidade de resposta ao meio também. Para sustentarem isso e garantirem a coerência, lideranças precisam fazer um shift em seu foco e uma transformação corajosa em sua forma de agir.
Por fim, as estruturas organizacionais precisam alinhar-se a isto e, assim, precisamos dispor dos modelos orgânicos inteligentes e ágeis. O objetivo deste processo não é uma anarquia organizacional, mas um formato com alto grau de liberdade, velocidade de reação ao entorno, com condição de perceber e usar rápida e favoravelmente toda a energia gerada em todo e qualquer parte da organização ou em suas interfaces com múltiplos stakeholders, direcionando todos estes esforços para o crescimento e o sucesso da organização em si.
Organizações, na Nova Economia, precisam liberar toda a sua potência e colocá-la a serviço de seu fortalecimento e da construção de um mundo melhor onde o seu papel seja significativo na construção do futuro na qual estarão inseridas. A diversidade não pode ser olhada como um fator isolado de todo este movimento, pois a ideia de que qualquer fator pode ser isolado do todo é exatamente uma das limitações que levam a energia a tornar-se violência.
É esta absoluta interligação de um mercado complexo inserido em um mundo em transformação que nos impulsiona a atuar na construção de modelos organizacionais potentes, apoiados em propósitos claros de existência.
Originalmente publicado no blog Gestão Fora da Caixa da Exame.com