Acredito que o mundo nunca nos apresentou tantas possibilidades de escolha e realização para uma atividade profissional, um trabalho ou um empreendimento. Ao mesmo tempo, parece que nunca estivemos tão infelizes, entediados ou neutros em relação ao que fazemos.
Assistimos no Brasil uma explosiva expansão de programas, cursos e palestras que prometem nos ensinar os passos necessários para sermos donos do nosso próprio nariz, empreender, assumir as rédeas da carreira, os rumos da vida e das escolhas que o mundo nos apresenta, precisamos estar preparados para agarrar as oportunidades… auditórios lotados, milhares de livros vendidos, estudiosos, palestrantes e gurus de todas as vertentes. O interesse do brasileiro e a necessidade de buscar esse conhecimento é explícito e claro!
Acredito que esse interesse surge do encontro de alguns cenários:
- A exponencial evolução tecnológica e sua também exponencial acessibilidade parecem viabilizar uma série de opções de novos negócios, novas profissões ou novas maneiras de se fazer as coisas;
- A crise ou o medo da crise nos coloca em estado de atenção e cria a tensão necessária para criar ou pensar em novas possibilidades, por opção ou por necessidade;
- Vivemos um período onde estamos refletindo e pensando sobre propósito, sobre o “para que” vivemos ou fazemos as coisas, e isso não é um tema emergente apenas para a Geração Y ou Z. Parece que todas as gerações, com mais ou menos coragem, com mais ou menos disposição ao risco (dependendo das condições sócio-econômicas de cada um) estão repensando e tomando uma série de decisões;
- Uma revolução de significados e valores em relação ao trabalho está em curso. A imagem do que é sucesso e realização profissional, o papel do trabalho e da profissão na vida de uma pessoa… as bases, os alicerces todos estão em transformação.
Em uma pesquisa realizada esse ano pela DM, Cia de Talentos e Next View descobriu-se que, independente da faixa etária ou nível hierárquico, a maioria absoluta dos profissionais faria algo diferente se dinheiro não fosse uma preocupação:
E o que eles fariam diferente?
35% dos estudantes e recém formados, 39% dos coordenadores e gerentes pleno e 45% dos gerentes, diretores e presidentes responderam: Trabalharia com o que gosta. Outros resultados relevantes incluíram mais tempo para a vida pessoal, abrir o próprio negócio e viajar mais.
Minha percepção é que, de fato, não estamos satisfeitos com o trabalho que fazemos atualmente. Ainda estamos fazendo esse trabalho porque precisamos do dinheiro para, pelo menos, manter o nível de vida atual. As múltiplas escolhas e opções de carreira, empreendimento e trabalho ainda estão acessíveis a um pequeno, seleto e privilegiado grupo de pessoas. E, queremos fazer parte desse grupo. Fomos educados para servir ao trabalho de outras pessoas (sermos funcionários) e pouco para empreender (independente de sermos empresários ou contratados para um trabalho) e, ainda, pouquíssimo para acreditar que podemos fazer a diferença no mundo procurando solucionar desafios e dilemas gigantescos e globais.
Mesmo assim, parece que os tempos contemporâneos nos alimentam com uma reflexão: como seria bom sentir prazer no trabalho que faço… , na verdade, nos fazem crer nessa possibilidade. E, como também sou contemporâneo, algo me faz crer que é mais possível que impossível. Porém, precisamos assumir algum nível de protagonismo, o que inclui riscos e incertezas, mas que também inclui a sensação de estar vivo e trabalhando como um ser humano (e não como uma simples peça mecânica de uma engrenagem).
Para assumirmos esse protagonismo, gostaria de convidá-los para uma reflexão e um desafio.
Eu realmente trabalho?
Calma, longe de mim querer julgar se você é um trabalhador ou um enrolador (rs). Mas, gostaria de propor uma reflexão sobre o quanto você acredita que sua atividade profissional se aproxima da essência de um trabalho.
Como assim?
Explico com essa provocação do filósofo, jornalista e escritor tcheco, naturalizado brasileiro, Vilém Flusser:
“A maior parte da humanidade não trabalha. Serve ao trabalho de outros como instrumento. Em seu estranhamento não quer saber nem como é o mundo nem como deve ser, e nem sequer lhe ocorre a idéia de que se podia mudar o mundo. Essa humanidade só participa da história de forma passiva: a sofre.”
(Para Além das Máquinas — Vilém Flusser)
Segundo Flusser, para haver trabalho, para que uma pessoa realmente faça parte ou realize um trabalho, digamos, humano, é necessário perceber e supor que o mundo não está como deveria e acreditar que se pode transformá-lo.
E aí eu retomo a pergunta: eu realmente trabalho?
Eu e você, atualmente, dentre a grande quantidade de atividades que fazemos diariamente ou dentre o escopo de nossa profissão, função, empreendimento estamos fazendo um trabalho humano? Estamos fazendo algo que nos faz enxergar o mundo e realizando algum tipo de transformação que o torne mais próximo do que acreditamos que ele deveria ser?
Acredito que a reflexão nos ajuda a enxergar que parte de nossas atividades se aproxima do que é um trabalho em sua essência e nos ajuda a resgatar o prazer e a importância de continuar. Também nos ajuda a tomar algumas decisões na direção de estarmos a maior parte do tempo trabalhando e não servindo ao trabalho dos outros como instrumento.
Eu tenho tido momentos de FLOW no trabalho?
FLOW significa estar naquele momento onde você está tão imerso em uma atividade, que nem percebe o tempo passar, não sente fome ou vontade de ir ao banheiro, está ao mesmo tempo fazendo algo desafiador e prazeroso.
Isso acontece quando você sabe o que precisa ser feito e, apesar de todas as dificuldades, acredita que é possível fazê-lo. Você se sente parte de algo maior e se esquece de você mesmo. O que você está fazendo se torna valioso por si mesmo.
Esse conceito foi criado pelo psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi, um dos pioneiros no estudo da felicidade, engajamento e criatividade humana. Segundo ele, o FLOW acontece quando o que você precisa fazer é algo claramente desafiador (um desafio acima da média) e você se sente competente (com habilidades acima da média) para realizar.
Talvez, uma outra possibilidade para sentirmos prazer no trabalho que fazemos seja buscar atividades que nos desafiem acima da média e que acreditamos ser capazes de realizá-las. Buscarmos mais momentos de FLOW.
Seria bem interessante você classificar todas as suas atividades no diagrama acima e ter uma visão ampla do quanto suas atividades no trabalho podem estar influenciando seu estado de espírito, emoções e satisfação.
Acredito que podemos experimentar prazer no trabalho que fazemos se usarmos nosso nível de autonomia, qualquer que ele seja, 20%, 10% ou até 1% para tomar algumas decisões importantes e que farão a maior diferença.
Que tal:
- Refletir sobre se o que você faz é realmente um trabalho?
- Dentre as atividades e responsabilidades que você faz, quais mais lhe aproximam de um trabalho essencialmente humano e quais lhe aproximam de uma espécie de peça mecânica de uma engrenagem?
- Pensar quando foi a última vez que você experimentou um estado de FLOW?
- O quanto você tem buscado atividades que te desafiem acima da média e você se sente capaz de encontrar uma solução e o quanto você tem se conformado com o que lhe é oferecido, ou até mesmo se escondido dos desafios?
E, termino aqui com um convite.
Experimente fazer apenas uma coisa diferente, só uma. Uma ação, uma decisão, um movimento, um pedido para alguém, algo para incluir, ser transformado ou retirado do seu trabalho que o aproxime de uma possibilidade de realizar uma atividade que lhe coloque em FLOW e aproxime a sua profissão de um trabalho essencialmente humano.
Depois, converse com alguém sobre o resultado dessa experiência.
Se quiser conversar comigo, me mande uma mensagem (alessandro@corall.net), me sentirei honrado em ouvir sua experiência.
Alessandro Gruber é sócio consultor da Corall e escreve para o blog Gestão Fora da Caixa da Exame.