Cuide da sua marca e da sua atitude
Fábio Luchetti, CEO na Porto Seguro é entrevistado por Mauricio Goldstein, sócio-consultor Corall
Fábio Luchetti, formado em Administração de Empresas pela Faculdade de Administração e Ciências Econômicas “Santana”, de São Paulo, com especialidade em Museologia, construiu uma trajetória exemplar dentro da Porto Seguro. O executivo ingressou na empresa como auxiliar de cobrança, em 1984, e percorreu vários níveis até chegar a CEO em 2006.
A Porto Seguro iniciou suas atividades com 50 funcionários e, hoje, emprega diretamente 15 mil funcionários, além de 12 mil prestadores, por meio de suas 23 empresas. Possui 135 sucursais e escritórios regionais para atender mais de 25 mil Corretores de Seguros.
Entrevistado por Mauricio Goldstein para o blog da Corall Consultoria, Fábio detalha as vantagens e desvantagens de ficar tanto tempo na mesma organização, o que mais se orgulha nesta trajetória, as disrupções que estão ocorrendo no mercado de seguros, intraempreendedorismo e liderança.
“O brasileiro é ligado a situação emergencial, ou seja, gasta muito mais com TV a cabo e celular do que proteger o sonho de um filho que precisa chegar até a universidade”
Você está na Porto Seguro desde 1984 e construiu uma trajetória profissional de sucesso na companhia. Começou como auxiliar de cobrança e chegou na presidência da empresa. Qual foi seu maior aprendizado nessa longa jornada e quais as vantagens e desvantagens de ficar tanto tempo na mesma organização?
F.L: Estava lendo uma pesquisa que indica que quem começar hoje no mercado de trabalho vai passar por 13 empresas até se aposentar. Isso representa, na média, um pouco mais de três anos em cada instituição. No meu caso estou na mesma empresa, mas passei por diversas áreas. Se ficasse mais de 30 anos fazendo a mesma coisa já tinha morrido de tédio. Posso dizer que fiquei na mesma cultura por 33 anos, mas trabalhei em várias empresas dentro desse grande Grupo.
Um detalhe: é muito difícil aprender a desaprender. Por vários momentos da minha carreira precisei de um olhar muito crítico para minhas competências e meu comportamento. Cada estágio da carreira, principalmente na questão de liderança, é um exercício diário de monitorar os caprichos versus as necessidades. Olhar para o autodesenvolvimento e autocrítica é relevante.
Mas no fundo são os funcionários que nos levam para onde desejamos. É importante ter um pouco de paciência e entender que cada um tem seu ritmo. É essencial também engajar as pessoas nos seus sonhos. Afinal, ninguém consegue construir uma ponte sozinho. Independente dos estágios, sempre tive um olhar altruísta que foi predominante.
Qual foi a diferença que fez a diferença? Do que mais se orgulha nesta trajetória?
F.L: Me orgulho de ter uma capacidade de transformação. Invariavelmente identifiquei processos, produtos, negócios e pessoas que estavam subutilizados. Ou então ideias maravilhosas que estavam abandonadas por falta de mediação. É preciso mediar os conflitos e posicionar os interesses. Fazer com que todos, apesar da diferença, tenham os mesmos objetivos. Eu acredito que fiz bem isso.
As empresas estão sendo desafiadas a fazer a tal da transformação digital. A Porto Seguro se transformou e criou diversos produtos e serviços. Quais são as disrupções que estão ocorrendo na sua área de negócios e como a Porto Seguro está lidando com os novos cenários?
F.L: No fundo toda indústria que faz um processo de consultoria tem um desejo de baratear o processo. A tecnologia vai ajudar muito, mas não vai resolver questões de ordem humana.
Para alguns seguros, como o seguro viagem, vai ser possível fazer inovação porque é um produto mais simples e de compra imediata e praticamente obrigatória. É diferente fazer um trabalho para cobrir uma empresa com várias plantas industriais do que um seguro para toda sua família. Por enquanto existe uma ilusão de que tudo que é clássico e tradicional pode virar um Airbnb ou Uber da vida. O que tenho discutido é que essas coisas estão surgindo porque as pessoas, executivos e empresas estão em uma zona de conforto. Tudo está sendo questionado e no universo de seguros não é diferente.
O que pode surgir de ruptura é muito mais nos processos. Por exemplo, como dar autonomia para os proprietários dos veículos na hora de realizar uma vistoria. Como podemos simplificar uma indenização. O custo do seguro tenderá a baixar quando reconhecemos que algumas etapas o consumidor pode participar. Precisamos jogar a favor dele, inclusive minimizando fraudes utilizando-se mais inteligência analitica e tecnologia.
Há cerca de dois anos abrimos a Oxigênio Aceleradora porque acreditamos que seja um caminho sem volta. Não somos diferentes das grandes empresas e quando olhamos internamente as pessoas estão presas aos legados, processos e capacidade produtiva. A aceleradora aproxima ideias que buscam resolver os problemas que estão no mercado.
Há muitas ideias que se assemelham com o que temos aqui, mas estavam somente no campo das intenções. Toda essa experiência tem sido muito rica levando em conta a aproximação da aceleradora com a Porto Seguro. Com isso, usamos os executivos como padrinhos do processo. Isso, de certa forma, faz com que a turma tome mais choque da realidade. Surgirão muito mais coisas a partir do amadurecimento dos processos.
Como faz para liberar o potencial máximo das pessoas e gerar dentro da empresa um ambiente de intraempreendedorismo?
F.L: Não precisamos trabalhar a base porque as pessoas estão ávidas em querer participar, oferecer ideias e estar engajadas para fazer diferença. O maior esforço está no nível das lideranças, porque é preciso lidar com o efeito pororoca, trazendo novas tecnologias e metodologias.
O desafio é fazer a liderança entender que precisamos ser muito mais facilitadores para deixar as coisas fluírem. Do ponto de vista filosófico, tentamos passar essa imagem da importância de sermos mais que uma organização e arbitrar menos. Monitorar mais do que controlar. A questão é que nem todas as respostas estão na nossa frente. Por isso, é preciso atuar nessas lideranças e trabalhar sabendo que nas grandes corporações a cultura muitas vezes leva um tempo para ser incorporada em 100% das lideranças em todos níveis.
Vocês possuem um modelo de gestão diferenciado do tradicional. Da onde veio a inspiração e como funciona na prática?
F.L: Na realidade sempre tivemos uma preocupação porque a empresa tem um modelo de negócios baseado em gente. Nosso maior patrimônio são as pessoas. Temos os corretores autônomos, que na verdade são 25 mil, mas eles podem oferecer qualquer seguradora ou produtos financeiros e servicos para seus clientes.
Então precisamos conquistar esse profissional todos os dias. Que por sua vez vendem uma promessa, pois trabalham com cobertura de riscos e as pessoas não gostam de correr riscos. Existe um cliente que depois de alguns meses vai precisar dos nossos serviços e sempre em situação de emergência. E é aí que, de fato, o discurso do corretor se materializa e a experiência é vivenciada. No fundo o nosso maior produto é o atendimento.
Nosso produto é baseado na expectativa das pessoas serem atendidas e as emoções estão sempre envolvidas. Temos um viés muito humanizado e reconhecemos a importância de ouvir o outro. Por mais que eu treine o funcionário, o imprevisto vai sempre aparecer. Ele precisa ter a autonomia para pensar com a própria cabeça. Em função disso, em 1998, tivemos a sorte de conhecer uma consultoria que estava nos apoiando e que tinha uma relação com a Antroposofia, que se baseia no respeito ao indivíduo. Isso faz com que sejamos mais tranquilos no processo decisório, sempre olhando de maneira mais sutil e integrada.
Com a revolução tecnológica que vivemos e o mercado em constante mudança, o que representa o Corretor de Seguros atualmente para a Porto Seguro e como enxerga o futuro desse profissional?
F.L: O corretor no fundo é um agente social. Alguns seguros, principalmente o patrimonial, trazem uma proximidade do profissional com a sociedade. Existem outros seguros que não trazem tanta relação, pois a sociedade brasileira ainda é muito imatura comparada a outras.
Além disso, há muitas pessoas que não têm um nível de proteção familiar adequada e empobrecem inesperadamente por falta de consciência e planejamento. O brasileiro é muito ligado a situação emergencial, ou seja, gasta muito mais com TV a cabo e celular do que proteger o sonho de um filho que precisa chegar até a universidade.
Por isso que o trabalho do corretor é muito importante. Uma das funções das seguradoras é fazer esse mapeamento e ajudar os corretores a evoluírem e ampliarem suas relações com sua carteira de clientes. O foco não pode ser o produto que vendeu e sim o cliente conquistado, com suas família, necessidades e sonhos que fazem parte dessa célula familiar..
A Porto Seguro busca ir além dos carros. Qual é o propósito da empresa e sua visão de futuro para seu negócio?
F.L: Nos últimos sete anos fizemos um trabalho de expansão para ter entendimento do nosso posicionamento. A expectativa que tínhamos dos consumidores em relação ao que entregávamos era muito diferente. Nós éramos muito mais racionais do que a percepção que as pessoas tinham do lado de fora da empresa. Na época chegamos na conclusão de que não vendíamos seguro, mas sim tranquilidade e segurança. Isso permitiu olhar várias outras oportunidades que a organização, com sua vocação e cultura, poderia entregar.
Nesse processo também descobrimos que tínhamos um forte reconhecimento por um atendimento delicado e sensível. Qualquer pesquisa de marketing que relacionávamos com imagem os consumidores enxergavam a figura de uma mulher, por conta dessa acolhida e carinho. Passamos então a entender que tínhamos diversas outras oportunidades a partir dessa nossa vocação. Trabalhamos dentro desse contexto e novos negócios foram surgindo. Temos mais vocação para proteger a família e tudo que gira em torno dela em termos de conveniência e segurança.
Quando muitos falavam e viviam uma crise, em 2015, a Porto Seguro fez parte de um restrito grupo que não teve que gerenciar o encolhimento do negócio. Como foi na prática mostrar para os funcionários a oportunidade que vocês tinham pela frente em um momento conturbado da economia?
F.L: Em geral já vivemos outras crises e tivemos comportamento similar. O Brasil sofre um déficit educacional e fizemos um esforço muito grande para chegar no nível de maturidade das pessoas que fazem parte da empresa. Sempre colocamos a importância dos stakeholders nesses momentos, pois vejo com hipocrisia uma empresa colocar na conta da crise a demissão de centenas de funcionários, mas no final do ano anunciar um lucro de milhões.
Procuramos conversar com as pessoas para explicar os cenários com redução de custo. Freamos os investimentos de curto prazo que podiam esperar, Preservando os investimentos de longo prazo. Teve sacrifício, e muito engajamentos dos funcionários para passarmos por esse ambiente. Como conquistar a confiança da pessoa se não tem a atitude correta? É natural que se a crise se arrastasse por muitos anos, talvez seria necessário adotar medidas mais radicais. Mas não foi nosso caso.
“Estamos trabalhando várias questões de desaprender para aprender. Não dá mais para ter empresa onde tudo está na cabeça do líder”.
Muitos profissionais de sucesso falam que é muito importante trazer satisfação pessoal para dentro da empresa e isso faz a diferença. Você tem aquele momento de descarregar a energia, talvez seria na arte, que te motiva ainda mais nos negócios?
F.L: Gosto muito do que faço e me dá muito prazer. Nos últimos cinco anos me enveredei com a arte. Fui em uma grande seguradora americana anos atrás e eles tinham um acervo com mais de 3500 obras. Fiquei encantado com a convicção de que a arte amplia as visões do mundo e favorece a criatividade das pessoas que interagem e experimentam o prazer da contemplação e interpenetração. Nos últimos anos também fiz especialização em museologia, curadoria e colecionismo. É muito legal porque através do estudo da museologia tive vários insights da proteção da memória e cultura. Dentro da empresa é necessário proteger os valores, tem uma correlação com o trabalho. Isso me deixa mais leve e faz conexão com a organização.
Poderia citar um insight que trouxe da Museologia para os negócios?
F.L: Um bom exemplo surgiu da aula de conservação. É que as obras em geral têm diversos tipos de deterioração e o museu precisa de uma política muito adequada. Quando faz a correlação para o negócio é preciso questionar o que deteriora a cultura de uma empresa e faz com que a essência seja perdida no caminho.
Nesse momento que entra a função do executivo de proteger os valores. Foi quando comecei a pensar o que destrói e como preservar a empresa. Ao fazer essa relação percebemos que a liderança era avaliada muitas vezes somente por competências técnicas e deixávamos em alguns casos os valores da empresa apenas nas placas dos edifícios ou em eventos institucionais. Depois disso começamos a avaliar a liderança também a partir da filosofia da empresa. Isso foi um insight que aprendi na aula de conservação.
Falando agora de liderança, qual o principal desafio de liderança hoje?
F.L: Está muito no campo de olhar para o movimento intenso das pessoas e lideranças. Um exemplo é que os funcionários já podem produzir de suas casas, muito por conta do avanço da tecnologia. Temos 10 mil pessoas que saem das suas casas e fazem um movimento diário de trânsito. Fizemos uma análise e hoje temos três mil pessoas trabalhando de casa. Os últimos resultados mostraram que a produtividade via home office está 20% maior do que na própria empresa. O problema é que algumas empresas forçaram o processo de home office por conta de redução de custos e isso não dá certo. Estamos trabalhando em uma série de questões de desaprender para aprender. Não dá mais para ter uma empresa onde tudo está na cabeça do líder.
Se você realizar tudo que já desejou e deseja, pelo que gostaria de ser lembrado?
F.L: Ser reconhecido como uma pessoa que abriu caminhos e viabilizou processos. Gosto de transformar e influenciar as pessoas e organizações. No fundo o que faz a diferença é a capacidade de não aceitar as coisas como elas são. Gosto que as pessoas me chamem de inquieto e inconformado. A busca pelo melhor e tentar colocar um olhar diferente nas coisas me agrada.
O sistema da Porto Seguro permitiu que um auxiliar de cobrança chegasse a presidência. Uma forma sem preconceito onde o talento prevaleceu. Como criar uma organização que faça com que isso possa acontecer?
F.L: Aqui sempre tivemos uma política muito séria de recrutamento interno. Buscar alguém de fora, do mercado, é injusto para quem está trabalhando todos os dias pela empresa. É importante mostrar que se o funcionário se empenhar pode crescer. Sempre fomos cuidadosos com esse tema. Só vamos buscar no mercado se não temos talentos internos.
Se pudesse voltar no tempo e dar uma dica para o Fábio que acabou de começar na Porto Seguro. Qual seria?
F.L: Fazer gestão da sua própria marca. O que uma empresa mais faz é proteger a sua marca, porque quer que as pessoas falem bem dela e potencializem seu sucesso. É nesse ponto que as pessoas esquecem que quando estão na liderança de uma empresa é necessário cuidar da sua própria marca. É inevitável que outros falem da gente e eu não consigo controlar o que falam de mim. A única forma de me proteger é controlando minhas atitudes, pois só podem falar sobre aquilo que veem.
É quase como se as pessoas depositassem o sucesso ao acaso, mas não é nada disso. Tudo é fruto do meu comportamento. Estamos sempre sendo observados. Este é meu conselho: cuide da sua marca e da sua atitude.
Matéria originalmente publicada no site HSM Experience: