Um dos temas mais fascinantes e ao mesmo tempo mais complexos no mundo das organizações é o da Cultura. Peter Drucker cunhou uma frase emblemática para retratar esta complexidade: “Culture eats strategy for breakfast”. Kotter e Heskett em seu livro “Corporate Culture and Performance” mostram que as empresas que “ativamente gerenciam sua cultura” conseguiram no período de análise um crescimento do valor da ação 12 vezes superior às que não o fazem.
O tema Cultura tem crescido em importância na agenda dos principais executivos em todo o mundo. Normalmente surge associado à alguma questão de negócio que não está funcionando bem e à necessidade de mudança no comportamento de seus colaboradores (por exemplo aumentar a capacidade de inovação, operar de forma mais transversal e cooperativa ou colocar a organização mais centrada no cliente).
Existem hoje no mercado ferramentas interessantes para se realizar um chamado diagnóstico cultural. Independentemente da abordagem utilizada é muito importante que se consiga fazer uma conexão coerente das dimensões culturais analisadas e as questões de negócio que se pretende resolver. Clarificar como as características culturais podem ajudar ou atrapalhar à mudança desejada é uma etapa importante deste processo.
A parte mais desafiadora, no entanto, vem depois de já se ter claro quando uma ou mais características da cultura atual está atrapalhando na questão de negócio que se quer endereçar.
O que fazer para mudar uma característica ou hábito que temos enraizado no nosso operar atual? Muitas vezes estamos falando de hábitos que estão bastante enraizados, que funcionaram por muito tempo, ou que pelo menos não atrapalharam, mas que agora, com as mudanças no ambiente, passam a ser danosos aos objetivos traçados.
Outro dia tive uma conversa muito interessante que me fez lembrar imediatamente desta trajetória envolvendo os desafios da mudança. A pessoa com quem conversei me relatou a história de sua relação com o hábito de fumar. Contou-me como na adolescência ela se sentia bem nas rodas em que frequentava e a sensação de diferenciação que sentia. Falou-me do prazer que teve durante anos de após tomar um café, poder fumar seu cigarrinho. Passou-me então a relatar suas tentativas de parar de fumar quando seus filhos começaram a nascer e crescer. Tentava por algumas semanas mas tinha recaídas e voltava ao velho hábito. Foi somente após algumas complicações de saúde, e uma advertência médica séria das consequências que adviriam se ela realmente não deixasse o fumo, que esta pessoa conseguiu os recursos internos para efetuar a mudança. A percepção de crise, da motivação para a sobrevivência tornou-se superior aos “custos” dos novos aprendizados. Entenda-se “custo” aqui na dimensão de esforço emocional e psicológico, não monetário.
Houve neste caso uma decisão interna de realmente abrir mão da situação atual em busca de uma nova situação desejada. Enquanto esta decisão interna, de dentro para a fora, não ocorrer, a mudança não é sustentável. Não há dúvida que a energia e a ansiedade associadas à crise e à urgência são elementos poderosos que impulsionam em direção à mudança. Tenho a crença de que toda crise traz em si o potencial de um novo cenário melhor que quer emergir.
No entanto, um caminho mais tranquilo para a mudança, com menos percalços para a organização, é o de reduzir estes “custos” dos novos aprendizados. O objetivo neste sentido é o de trazer uma sensação de maior segurança psicológica aos envolvidos, o que do ponto de vista da neurociência é fundamental para aprendizados mais efetivos.
Assim, temos defendido na Corall o uso de uma abordagem onde 4 dimensões devem ser trabalhadas nos processos de transformação e mudança, que em última instância trazem maior segurança psicológica aos participantes, reduzindo assim o “custo” dos novos aprendizados:
1. Visão: Deve ser articulada de uma forma positiva e inspiradora. Fundamental que os participantes entendam onde se quer chegar e para que, e que facilite a conexão com seus propósitos pessoais. A clareza dos novos comportamentos, das novas regras, do que será valorizado e do que não será permitido evita interpretações dúbias sobre para onde a organização está caminhando.
2. Aspectos Soft / dinâmicas relacionais e de aprendizado: novos hábitos precisam ser desenvolvidos e assimilados preferencialmente através de múltiplas abordagens, o que inclui desde treinamento formal dos participantes, individualmente e em seus grupos de trabalho, bem como através de processos de coaching e formas de se trocar aprendizados e feedbacks, sobre o que se está conseguindo evoluir e das dificuldades envolvidas.
3. Aspectos Hard (estruturas, sistemas, processos): por exemplo, se o objetivo da organização é promover a colaboração e fortalecer trabalhos transversais, será que a estrutura está facilitando ou dificultando este objetivo? O sistema de remuneração está compatível com objetivos transversais ou permanece focado em resultados individuais ou compartimentalizados? Os profissionais que estão sendo promovidos são referências para as novas atitudes esperadas?
4. Liderança consciente e consistente: o “walk-the-talk” da liderança é uma das condições mais fundamentais para o processo de mudança acontecer. Os integrantes da organização precisam de “role-models”, de referências, que tragam uma concretude ao novo operar, e ao verem as novas atitudes em outras pessoas, sobretudo as mais influentes, ficam mais inclinados a repetir os novos padrões.
Muitos programas de transformação nas organizações não dão os resultados esperados justamente porque seus líderes não estão atentos à gestão do “custo” dos novos aprendizados. Organizações que estão conscientes da importância de se buscar o necessário nível de segurança psicológica dos colaboradores, reduzindo este custo, têm muito mais chance de sucesso nesta jornada.
Ney Silva é sócio e consultor da Corall