Entrevista concedida ao Valor Econômico em 26 Set. 2019 pela sócia Erica Isomura.
Por Adriana Fonseca
A síndrome de Burnout recebeu uma nova classificação da Organização Mundial de Saúde (OMS) em maio deste ano e agora é considerada um “fenômeno ocupacional”, uma condição ligada ao trabalho, portanto. Segundo a instituição, burnout é uma “síndrome resultante do estresse crônico no local de trabalho que não foi gerenciado com sucesso”.
Seus sintomas são exaustão ou esgotamento de energia, aumento do distanciamento mental do trabalho, sentimentos de negativismo ou cinismo relacionados à atividade laboral e redução da eficácia profissional. “E a primeira vez que o esgotamento profissional entra na classificação”, anunciou, na época, o porta-voz da OMS Tarik Jasarevic.
Transtornos comportamentais e de saúde mental — a Síndrome de Burnout é um exemplo, assim como o transtorno de ansiedade e a depressão — já são a terceira causa de afastamento de trabalhadores no Brasil. Em 2017, foram mais de 9 mil afastamentos do tipo, segundo a Secretaria da Previdência.
Reflexo de um modelo de gestão Elisa Kozasa, coordenadora da pós do Einstein sobre “gestão emocional nas organizações” diz que as empresas hoje querem um ambiente corporativo mais equilibrado que opera pela lógica da competição, opressão e controle, esse cenário vem chamando a atenção de algumas empresas, consultorias e instituições de ensino. “Por muitos anos as empresas operaram por essa lógica. Com o movimento da transformação digital onde é preciso despertar a potência humana para a criatividade, a fim de resolver soluções complexas, as empresas perceberam que esses ambientes não estimulam isso”, diz Erica Isomura, consultora de transformação cultural e digital na Corall Consultoria. “Hoje, entende-se que é necessário um ambiente mais leve e humano para ter mais produtividade e criatividade.”
Ter um clima mais leve e humano requer mudar a forma como as pessoas se relacionam na companhia. “É uma transformação do ‘mindset’ e do “heartset”, o jeito de sentir, que esteve fora das organizações por muito tempo. Sentir era proibido, falar sobre sentimento também, e hoje começamos a entender que o sentir é fonte de soluções, ajuda a pensar fora da caixa.”
A cultura da perfeição, o distanciamento entre as pessoas e o medo de errar são características comuns no ambiente corporativo que acabam afetando a capacidade produtiva dos profissionais. “Saber lidar com o medo deixaria as coisas mais leves”, afirma o coach Adi Leite, que trabalha com desenvolvimento humano e usa uma metodologia ancorada nas práticas de coaching, medicina chinesa e psicologia positiva. “Equipes são formadas por indivíduos. É preciso ter atenção às pessoas, se não, há risco de que elas trabalhem aquém de suas possibilidades.”
De uns tempos para cá, começaram a surgir cursos que abordam a questão das emoções para executivos. Um exemplo é a pós graduação “gestão emocional nas organizações”, oferecida pelo Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein. São 420 horas de curso e o preço é R$ 20.252,09.
Desenhado pelo psicólogo Paul Ekman e pelo escritor referência em ciências contemplativas Alan Wallace, o curso chegou ao Brasil em 2018 e vai agora para sua terceira turma. “Essa pós, no Brasil, forma instrutores do método “Cultivating Emotional Balance”, com viés para gestão de pessoas que podem atuar em empresas”, explica Elisa Kozasa, coordenadora do curso e pesquisadora do Instituto do Cérebro do Hospital Israelita Albert Einstein.
“Vale lembrar que as contratações de funcionários se dão por suas habilidades técnicas, mas as demissões acontecem, geralmente, por falta de habilidade emocional”, pontua a pesquisadora. Segundo ela, as empresas estão en- tendendo que, cada vez mais, é importante ter um ambiente corporativo equilibrado. “Burnout não acontece só por baixo salário, mas porque as lideranças não têm habilidades emocionais para gerir pessoas.”
Para ajudar os líderes a lidarem melhor com as próprias emoções, o curso do Einstein aborda, ao longo de um ano, temas como o reconhecimento das emoções, principalmente as chamadas “emoções universais”, que são medo, raiva, tristeza, alegria, surpresa, nojo e desprezo. Ensina também como manejar essas emoções por meio de práticas meditativas diversas. Na sequência, os alunos veem como aplicar esses conceitos no ambiente organizacional. O programa incluí um retiro de uma semana para reflexão, práticas e dinâmicas. “Ele é importante porque no dia a dia dificilmente a gente consegue se desligar do automatismo, estar em um ambiente isolado, com pessoas na mesma sintonia, muda a perspectiva e oferece uma visão mais ampla e criativa da própria história de vida”, explica Elisa.
Responsável pela área de recursos humanos do LinkedIn Alexandre Ullmann fez a pós em gestão emocional nas organizações, do Einstein. “Foi uma decisão pessoal”, conta o executivo. “Achei que seria útil para eu aprender a identificar as minhas emoções. A partir disso, a gente passa a escolher de forma consciente como reagir. Isso ajuda ainda a identificar a emoção no outro e conseguimos nos colocar no lugar dele e entendê-lo melhor.”
Para Ullmann, a aplicação desse conhecimento no ambiente de trabalho é imediata, “As empresas não podem ser responsáveis pelas emoções dos funcionários. O que a empresa pode fazer é criar um ambiente seguro para as pessoas, oferecendo um local de não discriminação, onde elas possam ser elas mesmas. Isso já é um ambiente emocionalmente equilibrado.
No LinkedIn, ele conta, faz parte do DNA da empresa permitir que as pessoas sejam autênticas. É um tópico que está, inclusive, em per- guntas da pesquisa de clima organizacional, “Se identificamos que em uma área as pessoas não podem ser autênticas, há um problema”, diz. Para ele, poder ser quem se é de verdade, mesmo no ambiente de trabalho, impacta na produtividade. “Quando alguém está escondendo algo, gasta energia nisso, ao invés de ter foco no trabalho.”
A Sputnik, braço de cursos corporativos da Perestroika, oferece às empresas um programa voltado ao desenvolvimento da inteligência emocional e saúde mental. Chamado In Sano, o curso começou em 2018, o valor depende da demanda da companhia. “Estamos vivendo uma grande urgência por saúde mental”, alerta Mari Achutti, CEO da Sputnik. “Há números alarmantes e crescentes no Brasil em relação a crises de ansiedade e depressão, consequência da pressão no dia a dia do trabalho, A OMS institucionalizou o burnout como doença do trabalho, levou a responsabilidade às empresas e muitas abriram os olhos e estão passando a tratar a saúde mental com toda a atenção que ela merece.”
O In Sano, segundo Mari, mostra que o equilíbrio é mais produtivo, mais econômico e mais eficaz do que um funcionário ligado 24 horas por dia, Para isso, o curso traz ferramentas para que se trabalhe o autoconhecimento dentro das empresas. “Trabalhar diálogos saudáveis dentro das equipes gera ambientes mais saudáveis”, explica a CEO.
Bem mais tradicional no mercado, com 50 anos de existência e ministrado em 16 países, o Processo sequência da pressão no dia a dia do trabalho. A OMS institucionalizou o burnout como doença do trabalho, levou a responsabilidade às empresas e muitas abriram os olhos e estão passando a tratar a saúde mental com toda a atenção que ela merece.”
O In Sano, segundo Mari, mostra que o equilíbrio é mais produtivo, mais econômico e mais eficaz do que um funcionário ligado 24 ho- ras por dia. Para isso, o curso traz ferramentas para que se trabalhe o autoconhecimento dentro das empresas. “Trabalhar diálogos saudáveis dentro das equipes gera ambientes mais saudáveis”, explica a CEO.
Bem mais tradicional no mercado, com 50 anos de existência e ministrado em 16 países, o Processo
Hoffmann é um curso de autoconhecimento para o desenvolvi- mento da inteligência emocional. Em uma imersão de sete dias, no valor de R$ 8,8 mil, para que os alunos reconheçam suas forças e limitações, expandam a consciência, melhorem a qualidade dos relacionamentos e ganhem resiliência. “As pessoas ficam mais abertas à capacidade de ouvir, dar espaço ao outro, legitimar o outro, e isso beneficia as organizações”, diz Heloísa Capelas, diretora e coordenadora do processo no Brasil.
Para ela, dentro do paradigma da inteligência intelectual, a do QI, que dominou o ambiente corporativo ao longo do século passado, quando uma pessoa dá ao outro a oportunidade de discordar, isso é perder poder. “Em um processo de autoconhecimento você entende que não perde nada, você coloca a sua opinião e autoriza o outro para que ele tenha a sua própria opinião, e isso soma.”
Ex-aluno do Processo Hoffmann, Ideval Curioni, diretor-presidente do Sicoob (Sistema de Cooperativas de Crédito do Brasil), que tem mais de 4,4 milhões de coopera- dos no país, diz que o autoconhecimento fez com que ele se compreendesse melhor e, assim, entendesse mais as pessoas com quem convive. Nesse sentido, implementou no Sicoob um programa chamado Felicidade Interna Colaborativa (FIC), inspirado no índice Felicidade Interna Bruta, do governo do Butão.
A ideia é medir a satisfação dos funcionários com o trabalho, in- dividualmente e em grupo, e o índice pede uma nota de zero a três em nove dimensões: bem-estar psicológico, uso do tempo, vitalidade comunitária, cultura, meio- ambiente, saúde , educação, governança e padrão de vida.
Desde que o programa foi implementado, a nota média vem aumentando: de 2,10 em 2014 para 2,21 em 2018. O índice de rotatividade, ao contrário, caiu de 7% para 1,7%. “A iniciativa do FIC é uma proposta de exploração dos fatores subjetivos que levam o funcionário a elevar o seu nível constante de felicidade, complementando práticas já existentes voltadas para a gestão humanizada”, diz Curioni.
Para ele, um líder deve valorizar a proximidade com as pessoas. “Um ambiente corporativo saudável é fundamentado por relações de respeito e transparência, onde as pessoas se interessam pelo bem estar do próximo e pelas emoções”, conclui.
“Quando alguém está escondendo algo, gasta energia nisso, ao invés de ter foco no trabalho”, diz Ullman, RH do LinkedIN