Como a Alta Liderança Pode Escapar da Alienação sobre as Consequências de Suas Decisões?
Assim como o nazismo construiu uma engenhosa estrutura de alienação que permitiu a líderes brilhantes executarem ações com consequências altamente destrutivas, hoje, líderes igualmente inteligentes dedicam suas vidas a alcançar resultados organizacionais que também geram impactos devastadores – ainda que de forma menos evidente.
Tenho a impressão de que você, ao ler este texto, assim como eu, que o escrevo, também experimenta momentos de lucidez. Momentos em que percebemos que as conversas realmente necessárias e estratégicas simplesmente não estão acontecendo. Momentos em que nos damos conta de que os modelos organizacionais e de liderança que construímos nos últimos dois séculos chegaram ao seu limite.
Não estou aqui para demonizar o que foi construído até agora. Pelo contrário, alcançamos uma eficiência notável na produção e distribuição de alimentos, informações, tecnologia e recursos. Construímos uma interdependência comercial e econômica global, desenvolvemos sistemas democráticos e diplomáticos e firmamos acordos que ajudam a preservar a vida humana.
Mas, ao mesmo tempo, o que construímos também trouxe outros resultados – resultados sobre os quais a cultura organizacional atual nos impede de falar.
Recentemente, em um trabalho de transformação em uma grande multinacional, o CEO apresentou um cenário extremamente desafiador: a China havia produzido uma quantidade imensa do produto que a empresa fabricava, suficiente para suprir dez vezes a demanda total do Brasil só com o que estava sobrando. Diante desse fato, surgiram duas reações desconcertantes: (1) a empresa deveria se preparar para vencer a China, dobrando a aposta em fazer mais e melhor o que já vinha fazendo; (2) não houve espaço para refletir sobre como a empresa poderia repensar seu modelo de negócio e seu papel no mercado, dado que outras já haviam alcançado o que ela pretendia. Continuar fazendo o mesmo de sempre só geraria mais produto descartável.
Esse não é um caso isolado. Em meus 10 anos de experiência como consultor, atuando no centro decisório de grandes organizações brasileiras, posso afirmar com convicção: não há interesse ou espaço para esse tipo de conversa. E, se essas discussões não acontecerem, nada mudará!
Quando teremos a coragem de trazer esses “elefantes” – os assuntos proibidos – para o centro das discussões estratégicas?
A estratégia organizacional tem se tornado um exercício cansativo e puramente operacional: como continuar fazendo mais e melhor o que sempre fizemos? Como vencer concorrentes que inovaram de maneiras diferentes e mais eficazes, mas que precisamos superar para mantermos nossa sobrevivência sem grandes mudanças? A estratégia deveria se propor a revisitar os princípios fundamentais dos nossos modelos de negócio e relações comerciais. Deveria reconhecer, de forma corajosa, as outras consequências e resultados que nosso modelo atual tem gerado – consequências que todos sentem, nas suas próprias vidas e nas vidas de suas famílias.
Essas conversas que realmente importam estão acontecendo apenas nas margens – nas periferias do sistema. O que isso nos diz sobre o que estamos tentando conservar e quem se beneficia dessa conservação? E, mais importante, o que isso revela sobre aqueles que sofrem as consequências?
Uma liderança relevante, hoje, precisa assumir a responsabilidade de trazer essas conversas desconfortáveis das periferias para o centro das decisões estratégicas.
Somente assim, as lideranças das organizações poderão ser verdadeiramente relevantes para o mundo atual. Se não agirmos rapidamente, nos veremos sentados no banco dos réus, cabisbaixos, dizendo: “Estávamos apenas fazendo bem o trabalho que nos foi atribuído.”
Mas, desculpe, essa justificativa não cola mais.