Pode parecer arrogante iniciar um artigo com a pretensão de falar sobre a liderança transformadora que o mundo precisa. E talvez realmente seja.
Mas, diante de tantos desafios globais e mudanças rápidas que estamos vivendo, essa conversa, mesmo que arriscada, é, mais do que necessária, essencial. E começa por desconstruir o conceito de liderança como propriedade, qualidade ou atributo que alguém possua ou possa desenvolver.
A liderança é uma dinâmica, uma relação e não algo que uma pessoa tem ou possui. Desta forma, este artigo não apenas discute, mas também propõe uma reflexão profunda sobre o que constitui a liderança transformadora que o mundo atual tem exigido dos líderes.
Acompanhe!
Caminhos para o emergir de um novo liderar
1: Liderança sistêmica: redefinindo paradigmas
O primeiro passo de nosso caminho é reconhecer que a liderança não está na pessoa, mas na relação.
Por mais que o conceito da liderança como atributo individual tenha se difundido ao longo da história e participado ativamente de nossa formação, quando aprendemos a admirar e a nos inspirar em grandes líderes como Gandhi, Jesus Cristo, Martin Luther King, Mandela, Madre Teresa, Obama, entre muitos outros e outras, suas premissas não consideram o fato de que a liderança só existe como dinâmica.
O que quer dizer que a liderança é resultado e emerge de uma relação entre uma pessoa ou mais pessoas que lideram e uma ou mais pessoas que se permitem liderar.
A liderança acontece ENTRE as pessoas e não NAS pessoas.
Não existe um ou uma grande líder sem que essa dinâmica ocorra. É uma força que transcende o individual e se manifesta na dinâmica coletiva.
No entanto, essas pessoas históricas e outras que, eventualmente, incluímos em nossa lista de “wish leaders” são consideradas grandes líderes como se elas possuíssem determinadas características em si, inatas ou aprendidas.
E quando, de repente, elas escorregam, praticam atos que julgamos inadequados, o que acontece? Nos surpreendemos, nos decepcionamos profundamente, ignorando que, sendo fruto de uma relação, a liderança flui a partir de uma série de elementos que nem sempre, como diria Antonio Bispo do Santos, confluem.
Na melhor das hipóteses, identificamos “gaps” e as mandamos para “capacitações”, sem nos darmos conta de que estamos usando estratégias e palavras mais apropriadas a um mundo mecânico povoado por processos, máquinas e robôs.
A abordagem sistêmica ou complexa, por outro lado, parte da aceitação de que, como humanos, somos seres vivos e, portanto, caminhamos num fluir constante de mudanças de estado, provocadas pelas relações que se estabelecem instante a instante com o meio em que vivemos e com as pessoas com quem convivemos.
Num momento, somos percebidos como heróis, em outro, como vilões.
Em uma determinada situação, lideramos, em outra, somos liderados.
A aceitação dessa premissa, de que a liderança é uma dinâmica sistêmica e não algo em si, é fundamental para o emergir de uma nova forma de liderar. Simplesmente porque é o caminho rápido e simples para a liderança se deslocar para uma dinâmica humana e, portanto, orgânica e não mecânica.
2: Liderança humana: rompendo com a perfeição mecânica
A consciência de que a liderança é uma dinâmica humana é o segundo passo crítico nessa caminhada.
Uma pessoa em posição de liderança que, de tão perfeita, parece não humana, operando como uma verdadeira máquina de resultados, costuma ser admirada, reconhecida e aplaudida, porém esse lugar que ela se colocou ou onde foi colocada, de tão inatingível, ao invés de inspirar a um movimento de mudança, acaba por inibi-lo.
“Ela é tão perfeita que jamais irei alcançá-la!”
Por sua vez, uma pessoa em posição de liderança que se mostra humana e, portanto, vulnerável, mutante e empática abre espaço para uma conexão emocional mais potente ao estabelecer uma dinâmica em que a liderança aparece como algo possível, factível, atingível.
“Ela é tão humana, que me sinto identificada com ela. Se ela conseguiu chegar aonde chegou, eu talvez também consiga!”
É importante entender que agir como um ser humano no mundo do trabalho – e não só nele -, por mais óbvio que seja, é um desafio difícil, na medida em que fomos treinados ao longo da vida para agirmos como máquinas perfeitas.
Tanto é que os reconhecimentos costumam invariavelmente ser dirigidos para as pessoas que acertam, que sabem, que não mudam de opinião, ou seja, pessoas que não agem como seres humanos.
E, mesmo que essas pessoas adoeçam tentando ser essa máquina perfeita, o mundo em que vivemos seguirá incentivando-as a buscar esse lugar impossível de ser sustentado de maneira saudável, porém que, historicamente, produziu os resultados desejados.
Existem “n” teorias para justificar esse modelo. Fiquemos aqui com o da empresa que aprendeu com a Revolução Industrial a operar como máquina e que, para tal, precisou do mito do líder super herói ou da líder super heroína, que é infalível, está disponível 24/7, veste a camisa da empresa, abandona sua vida pessoal para ter sucesso no trabalho e que, simplesmente ao fazer isso, estimula que sua equipe também faça o mesmo.
Não sejamos ingênuos para afirmar que esse modelo está com os dias contados, mas que ele está em crise, isso já está bastante claro.
Basta observar os indicadores de absenteísmo, engajamento, descontentamento, turn-over ou qualquer outro que meça a relação das pessoas com as organizações para as quais trabalham.
Ter consciência de que esse padrão de liderança ainda está presente não resolve o problema, mas já ajuda a caminhar na direção de sua evolução.
3: Liderança inspiradora: o poder dos sonhos
O terceiro aspecto que vamos tratar neste artigo é a capacidade de sonhar.
Segundo estudo realizado pela McKinsey com 350 lideranças em 14 indústrias, apenas 25% dos colaboradores afirmam que seus líderes são inspiradores.
Oras, não se pode sequer afirmar que uma pessoa que ocupa uma posição de liderança e é incapaz de inspirar as pessoas a sua volta esteja liderando.
Porque liderar pressupõe ser capaz de construir uma relação, onde as pessoas se sintam estimuladas de alguma forma a fazer algo.
Respondendo a um jornalista sobre a utilidade da utopia, o poeta uruguaio Eduardo Galeano explica que a utopia está no horizonte, sabemos muito bem que nunca a alcançaremos. Se caminhamos 10 passos, ela se afasta 10 passos. Então, para que serve a utopia?
Para caminhar.
O significado da palavra inspirar é “soprar para dentro”. E a pessoa que ocupa uma posição de liderança deve soprar para dentro das pessoas o que exatamente?
Sonhos. Deve soprar sonhos que façam sentido e convidem as pessoas a caminharem juntas numa mesma direção.
“Eu tenho um sonho” é o nome como ficou conhecido um dos discursos mais icônicos de nossa história moderna, quando Martin Luther King falou apaixonadamente sobre o desejo de que todos os americanos fossem julgados não pela cor da pele, mas pelas suas ações, pelo seu caráter.
A liderança que o mundo precisa é aquela que inspira as pessoas a caminhar na direção de um lugar melhor para todos.
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4: Liderança dialógica: construindo visões compartilhadas
O quarto e último aspecto que iremos tratar neste artigo é a capacidade de dialogar, ampliar a consciência e construir significados e sentidos comuns a partir de diferentes perspectivas
Que mundo é esse que precisa de uma nova forma de liderar?
Que liderança é essa para esse mundo que escolhemos construir?
A liderança – qualquer que seja sua expressão – que o mundo precisa – qualquer que seja a visão de mundo que estamos falando – carece necessariamente de um modo de operar cuja centralidade seja o diálogo.
Sem escutar diferentes perspectivas, é impossível estabelecer uma visão minimamente comum de mundo que faça sentido para todos.
Sem que se faça sentido para todos, não há movimento evolutivo que se sustente, muito menos uma liderança que possa atuar de maneira sistêmica, humana e inspiradora.
Escutar crenças e opiniões diferentes das nossas só é possível se, momentaneamente, suspendemos nosso julgamento e exercitamos algo que toda criança tem e que quase todo adulto precisa relembrar: a curiosidade.
Mas por que? O que mais? Ainda não entendi, me explica de novo?
A liderança dialógica é uma dinâmica sistêmica, humana e inspiradora que faz mais perguntas do que oferece respostas.
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Ao fazer perguntas, abrimos espaço para que o desconhecido se revele e, com ele, novos mundos emerjam.
A grosso modo, isso se chama aprendizado.
Sem se furtar de trazer suas próprias perspectivas, ela faz isso desde a consciência de que seu lugar diferente na hierarquia não as torna mais importantes ou verdadeiras.
Todas as perspectivas são válidas a priori.
Porque cada perspectiva revela o mundo vivido por cada pessoa.
Se uma pessoa que ocupa uma posição de liderança quer ser reconhecida como a liderança que o mundo precisa, ela precisará de cada um e de todos para primeiro, construir essa imagem comum de mundo e depois para realizá-lo.
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