“Mesmo com a crise, dá para crescer.” | Entrevista com Andrea Seibel — CEO da Leo Madeiras
Desde a infância, as responsabilidades de Andrea Seibel eram grandes. Nascida em uma família empreendedora, observou atentamente os passos do pai, Salo, e do tio, Hélio Seibel, na construção do Grupo Ligna (holding proprietárias de diversas empresas no ramo de indústria e varejo de insumos para moveis e materiais de construção). Sem expectativas de ingressar na organização, apesar de sempre querer estar preparada para exercer seu papel como acionista do negócio, se formou em Direito e teve uma bem sucedida passagem pelo Unibanco. Até que tudo mudou com o convite para trabalhar na empresa. Rapidamente, rodou por diferentes áreas, conheceu as companhias profundamente e assumiu o posto de CEO da Leo Madeiras. Entrevistada para o blog da Corall por Maurício Goldstein, sócio da consultoria, descreveu sua trajetória, o modelo híbrido da Leo, que mescla lojas próprias com franqueados, a experiência de estudar em Harvard, além de fazer um convite para as líderes brasileiras.
Confira os principais trechos da entrevista.
Fale um pouco de sua trajetória, desde a PUC-SP, até a presidência da Leo Madeiras.
A.S. Venho de uma família empreendedora e empresária e os negócios sempre fizeram parte de nossas conversas. Sempre tive muito interesse no assunto, mas na hora de escolher minha faculdade, fiquei em dúvida se me comprometeria nesse caminho ou se teria uma carreira independente. Depois de refletir um pouco, notei que tinha muito interesse pelo mundo jurídico, além de achar que era uma formação de base muito solida. Fui fazer Direito para depois escolher uma especialização, fosse na advocacia ou em Administração. Estagiei muito durante a faculdade e, em seguida, trabalhei no Unibanco com mercado de capitais. Foi uma experiência muito bacana. Estava muito realizada, pois tive a chance de ter chefes e mentores incríveis. Quando estava no meu quarto ano na empresa, Salo, meu pai, me chamou para trabalhar nas empresas da família.
Existem uma série de regras referentes à sucessão no nosso negócio, uma empresa familiar. A principal era que o estágio de pessoas da família antes e durante a faculdade era bem vindo, mas após a graduação, só era possível atuar na companhia depois de ter construído uma carreira com reconhecimentos externos, como por exemplo, algumas promoções. E, após o Unibanco, eu já havia adquirido os pré-requisitos necessários. Hoje em dia, meu pai fala que fez o convite naquela época pois eu ficaria muito cara depois (risos). Chamamos um consultor de empresas familiares e passamos quase seis meses em conversas e discussões. Sabia que aquela decisão seria importante, uma verdadeira mudança no meu rumo profissional. Amadureci a ideia e, com cinco anos de formada, passei a trabalhar na companhia.
A primeira fase foi como gerente no departamento Jurídico de nossa holding, que cuidava dos problemas jurídicos das várias empresas, me possibilitando conhecer transversalmente as organizações e quase todos as lideranças. A partir disso, me envolvi mais intensamente com o braço industrial , especificamente nas questões relacionadas a cultura, gestão de pessoas e desempenho e desenvolvimento humano. Fui me envolvendo muito nessa área e, quando me dei conta, estava conduzindo o setor de Recursos Humanos. Existia a ambição de fazer da Satipel uma excelente empresa para se trabalhar, mas não a prática consistente. No RH, me envolvi com sistemas de gestão, comunicação, sustentabilidade e estratégia. Fui juntando em uma panela todas as áreas que considerava importantes e que não estavam muito alinhadas para mim e para toda a organização.
Nesta época, estávamos construindo duas fábricas quase que simultaneamente fora de São Paulo. Me ocupava 100% daquela função e iniciei um movimento de saída dessa exclusividade quando aconteceu a fusão da Satipel com a Duratex. Acabei me envolvendo com a parte de integração das duas empresas. Já conhecia muito a primeira e montamos um pequeno time de integração pós-fusão responsável pela criação das novas políticas e praticas.Construímos o Conselho de Administração, seus Comitês , o novo modelo de governança, revisitamos estratégia, marca … Foi um ótimo trabalho de estratégia. Depois de cerca de um ano e meio nessa atividade, comecei a sentir falta da execução. Quando estava à frente do executar, me sentia sobrecarregada. Depois, atuando somente com governança e estratégia, senti falta de implementar as coisas…
Comecei então a buscar novos desafios, queria empreender na área de investimentos de impacto, área que tinha muito interesse. Nesse meio tempo, meu tio, Hélio, me convidou para assumir a gestão da Leo. Por um lado, sucedê-lo após mais de 40 anos a frente da empresa era desafiador e um pouco assustador; por outro, via na empresa uma oportunidade de cuidar de um negócio sólido em que acredito e que impacta uma grande base de pessoas. Topei o desafio e cá estou há alguns anos.
Você imaginava que trabalharia na empresa desde a infância?
A.S. Sabia que seria acionista das empresas da família. Por isso, sempre quis estar preparada para assumir o papel de uma acionista competente. Essa ideia sempre nos foi passada desde a infância: a responsabilidade de empregar gente e ser donos de negócios que paga o salário e sustenta a vida de diversas famílias. Não pensava do ponto de vista de trabalhar como executiva. Acontecia o contrário. Atuar na empresa era uma espécie de desafio, falavam: “não sei se esse é o lugar para você… tem que ser muito bom para vir para cá”. E ao mesmo tempo, eu falava: “não sei se quero, viu? não sei se vocês são bons o suficiente para mim…”.
De que você mais se orgulha em sua trajetória?
A.S. Sou uma pessoa que gosta de estar muito confortável nos ambientes. Sempre fui boa aluna, gostava de ir bem nas provas, de saber a matéria… E, na vida profissional, com frequência, precisei dar conta de certos desafios antes de me sentir plenamente preparada para fazer isso. Então, me orgulho de encarar os problemas de frente e resolver os desafios à medida que eles aparecem, mesmo quando acho que são grandes demais e me tiram da minha zona de conforto.
Quais foram as transformações realizadas durante sua gestão nos últimos anos à frente da Leo?
A.S. A principal transformação foi ter reconstituído um time e resgatado na empresa o Orgulho de Pertencer. A empresa foi gerida por meu tio Hélio por mais de 45 anos. Antes de minha entrada na presidência, tivemos uma gestão de transição por meio de uma pessoa que fez muitas mudanças importantes, mudando pessoas e sistemas, mas que não teve tempo suficiente para formar um verdadeiro time. O jeito que o Hélio geria a organização não é o meu, é o dele. Então, a equipe funcionava muito bem com ele dentro de uma dinâmica, mas não reproduzível por outra pessoa que não fosse o próprio.
Meu trabalho aconteceu aos poucos… Identifiquei os valores e riquezas da empresa e a sabedoria e conhecimento das pessoas que estavam lá há muito tempo. Às vezes, essas pessoas se sentiam menosprezadas por gente nova que chegava falando verdades absolutas. Fiz uso do valor da sabedoria antiga e a fundi com competências e gestores novos, formando um time que respeita e se orgulha da história e do passado de tudo que nos trouxe até aqui, mas que está disposto a evoluir para o novo e a inovar.
“Quando a gente foca em fazer o trabalho bem feito, atender bem o cliente e oferecer bons produtos com alta disponibilidade, existe espaço para conquistar mercado.”
A crise política e econômica atual afeta vocês de alguma forma?
A.S. Acredito que o setor em que atuamos é muito pulverizado, possui muitos clientes, muita concorrência e nosso share é relativamente pequeno. Por isso, mesmo com a crise, deu para crescer. Quando a gente se foca em fazer o trabalho bem feito, atende bem o cliente e oferece bons produtos e disponibilidade, existe espaço para conquistar mercado. Claro que a crise afetou; não tem como não. Não crescemos tudo o que queríamos, mas não reduzimos as vendas.
Atualmente, tenho a sensação de que a direção do vento esta mudando e está na hora de termos metas de crescimento mais ambiciosas que dos últimos meses. Está na hora de voltar a investir e crescer.
E qual o “segredo da Coca-Cola”? Qual a diferença que faz a diferença para a Leo ser líder no mercado?
A.S. É o atendimento, a conexão com o cliente e tê-lo no centro de nossa existência. Desenvolver soluções, serviços e processos que o ajudem a ter sucesso. Às vezes, brincamos com o fato de termos tantas e tantas coisas atrás de uma simples operação comercial, a compra e venda de um produto.
O profissional da área de marcenaria é um empreendedor muito criativo, trabalhador, honrado, mas que precisa de apoio. Muitas vezes, um pequeno empreendedor começa seu negócio sem a sofisticação de saber operar capital de giro e se atrapalha… E nós o ajudamos com condições de pagamento, renegociações e financiamentos. Atualmente, contamos com mais de 100 diferentes condições e meios de pagamento. É muito mais fácil falar “só vendo a vista”, mas não utilizamos esse discurso.
Claro, isso gera uma complexidade interna, mas fazemos de tudo para atender esse profissional, seja pequeno, médio, ou grande. É um setor imenso e muito diversificado, então exige qualidade no atendimento. Para mim, o que muda em um vendedor para o outro é a capacidade de solucionar pequenos problemas e necessidades de clientes. E essa capacidade é uma sabedoria.
Por meio do Instituto Leo oferecemos também formação em marcenaria para novos profissionais e gestão e aperfeiçoamento para os mais antigos. Muitos deles vão se empregar em negócios já existentes, enquanto outros já começam empreendendo.
O que mais te atrai no mercado da marcenaria?
A.S. Quando interajo com meu cliente, fico apaixonada por sua simplicidade, praticidade e paixão. Existem muitos marceneiros que são microempresários, que montaram pequenos negócios no quintal de suas casas. Muitos fazem isso e trabalham sozinhos, outros crescem e constroem empresas que se tornam enormes e sofisticadas.
É um setor que não possui barreira de entrada e que acolhe qualquer um disposto a fazer um trabalho caprichado, honesto e atender bem o cliente. Essa democracia permite que qualquer brasileiro faça esse trabalho sem uma grande formação acadêmica.
Esse mercado permite um mundo de possibilidades a partir do capricho e da criatividade em um bom trabalho. Vejo aí uma possibilidade de impactar positivamente o mundo, criando um setor da economia extremamente democrático e baseado no empreendedorismo.
Qual seu maior desafio frente a Leo hoje?
A.S. O maior desafio é saber como conciliar os sonhos e a execução e, de fato, ajudar o pequeno, médio e grande empresário da marcenaria, qualificando o setor por meio de workshops, ensinando a usar produtos, dos mais simples aos mais sofisticados e fazer gestão. Isso além de manter a rentabilidade e entregar valor aos acionistas…
Seu modelo de organização é híbrido e incomum: metade das lojas da Leo são próprias, enquanto metade é franqueada. Como um negócio assim dá certo e quais são suas principais vantagens?
A.S. O fundamento do modelo é que nosso negócio exige a presença de gestores muito competentes, amplos e com muita energia para atender. Se o atendimento ao cliente faz toda a diferença, assim como equacionar pequenos problemas, a atividade da ponta, a venda, é muito complexa. Temos um atendimento muito diferente de uma farmácia ou loja de sapatos. Nosso ato de vender é mais sofisticado. E percebemos que não era possível fazer isso de longe. Precisava da presença física e interação constante com gerentes. Por isso, criamos o modelo de crescimento por franquia, que na verdade chamamos de parceria.
É mais a ideia de parceria mesmo do que o conceito em que um franqueador que tudo sabe define regras em manuais para o outro obedecer. Acreditamos muito mais na troca e na evolução a partir da prática. Assim, criamos um modelo em que centralizamos atividades que agregam valor de forma sinérgica, como compras, marketing, e até mesmo TI, e descentralizamos a gestão comercial, de vendas na loja e gestão do negócio. Por exemplo, definir preço em um mercado tão nervoso como o nosso, com tanta concorrência, é uma atividade local, em que é necessário presença e proximidade, decidir a cada dia o que sobe e o que baixa. Essa é uma arte intuitiva que demanda muito trabalho e presença física.
Acreditamos que donos operando seus próprios negócios geram energia e competências muito boas. E seria impossível crescer no mesmo ritmo que crescemos somente desenvolvendo gerentes. Essa foi uma estratégia para acelerar nossa expansão.
A partir disso, posso assumir que seus gerentes de loja própria são um pouco donos também?
A.S. Muito. A equipe de gerentes da Leo é maravilhosa. Os admiro profundamente, pois operar uma loja nossa não é para qualquer um. Acho incrível como buscam bater suas metas todos os dias e se renovam diariamente cheios de energia. Não se abatem pelos problemas, como queda de sistema, energia elétrica, batida de caminhão no poste… Existem mil probleminhas operacionais, mas mesmo assim, eles têm jogo de cintura, atendem bem e batem as metas todos os dias. E isso demanda muita energia, garra e capacidade. Eles são absolutamente multifuncionais na gestão das lojas e muito autônomos.
“O que me inspira é criar um ambiente empresarial onde as pessoas queiram contribuir com todo seu potencial e se sintam convidadas a participar e com vontade de dar seu melhor. Isso pode gerar um ambiente de criação de valor muito grande em que os colaboradores não venham trabalhar porque precisam de um salário no final do mês. O dinheiro faz parte da vida, mas gostaria de criar uma empresa em que o propósito inspire a todos. Esse é o meu sonho.”
Você cursou Owner President Management (OPM) na Harvard. Quais os principais insights aprendidos e como você os aplicou na Leo Madeiras?
A.S. Foi maravilhoso, sendo uma das minhas life-changing experiences. O maior benefício não veio do conteúdo em si, mas de dois insights que tive. Há cinco anos, quando fui para lá, me achava uma verdadeira aprendiz. Quem sabe pelo fato de estar sempre cercada de meu pai e tio, ambos geniais e brilhantes, com cerca de 30 anos a mais do que eu, sempre me senti peixinho pequeno perto deles. Quando fui para Harvard, me achando ousada por estudar com outros OPMers, executivos empreendedores, achei que ficaria no cantinho e aprenderia o que pudesse. Entretanto, me vi discutindo com meus colegas de igual para igual. Vi que minha vivência acumulada também me permitia colocar experiências, cases, visões, ambições e opiniões em absoluta igualdade de posição na mesa. Aquilo mudou completamente como me sentia com relação ao mundo. Do ponto de vista corporativo, entrei me sentindo ainda uma menina e voltei me sentindo uma executiva adulta.
Outra coisa interessante foi me identificar com cada case exibido, como se um drone tivesse gravado o que acontecia na minha sala de comitê executivo e observado nossos problemas, dinâmicas e desafios. Observando isso e discutindo com colegas, vi como não era a única tendo aqueles desafios. Eles eram comuns em muitas empresas e percebi que podemos nos beneficiar muito por meio da troca de experiências com pessoas que viveram coisas parecidas.
Como mulher, você acha que a liderança feminina é diferente da masculina?
A.S. Acho que esse é um assunto em construção. Percebo muitas vezes que por muitos anos existiu uma espécie de um padrão único de liderança, o mainstream. E tentei me encaixar nele, assim como muitas mulheres que buscam operar a partir desse ponto. O ápice dessa ideia é a imagem da mulher executiva dos anos 80, um pouco bruta e masculinizada. Entretanto, senti que isso não funcionava para mim. Fui tentando encontrar meu estilo de liderança, o que fazia sentido para a Andrea. Não sei se esse modelo da Andrea faria sentido para o João, para a Maria… Não sei o que é o feminino e o masculino nesse ponto.
Entretanto, acho que o que vem um pouco do feminino é a harmonia e o compartilhar. Um modelo mais colegiado e muito mais harmônico do que um individualista e guerreador. Acho que na guerra alguns modelos funcionam bem. Na minha empresa buscamos outra forma, mais coletiva. Acho que as mulheres em geral precisam e podem se conectar mais com isso, honrá-lo mais, sem tentar entrar no molde conhecido e até mesmo um pouco mais batido.
O que é sucesso para você? O que te inspira e move sua vida?
A.S. O que me inspira é criar um ambiente empresarial onde as pessoas queiram contribuir com todo seu potencial e que se sintam convidadas a participar e com vontade de dar seu melhor. Isso pode gerar um ambiente de criação de valor muito grande em que os colaboradores não venham trabalhar porque precisam de um salário no final do mês. O dinheiro faz parte da vida, mas gostaria de criar uma empresa em que o propósito inspire a todos. Esse é o meu sonho. E não somente com colaboradores, mas que esse sentimento seja reverberado para nossa comunidade de clientes, fornecedores e outros ciclos de atuação. Desejo criar um ambiente positivo e ativador do potencial humano.
Muitas vezes vejo pessoas na defensiva, com medo, querendo se proteger, em vez de correr riscos, falar que não sabem tudo, pensar juntos, explorar e criar. Acredito na empresa como um modelo de organização social muito poderoso. Acredito na iniciativa privada como forma de gerar riqueza para o mundo e que empresas podem fazer isso. Quero ressignificar certas coisas a partir da prática de um modelo de empresa formado por pessoas que tenham orgulho e vontade. Muitas vezes, a nova geração não quer trabalhar nas empresas em que os pais trabalharam, em que eles deixaram as almas sem receber reconhecimento. Meu sonho é ver empresas sendo construídas como fonte de riqueza verdadeira.
Qual o principal conselho que a Andrea de hoje daria a sua versão recém-formada saída do curso de Direito da PUC-SP?
A.S. Diria que tudo bem levar as coisas tão a sério, mas que não deveria me estressar tanto, levar tudo a ferro e fogo. As coisas vão se acertando, acabam acontecendo, não é preciso sofrer e nem tentar controlar tudo.