“Nada pode ser feito sozinho. ‘Um’ é um número muito pequeno para mudar uma organização. É preciso aprender a criar o sonho e inspirar as pessoas. São as pessoas que fazem as transformações.”
Silvano Andrade, Diretor Presidente da MRN (Mineração Rio do Norte), vem liderando um processo para implementar mudanças na companhia com foco em três metas: melhorar o sistema de gestão, produção e custo.
Nesta entrevista a Fábio Betti para o blog da Corall, ele reflete sobre quais são os fatores que influenciam na construção de uma carreira de sucesso e o que é preciso para conseguir realizar transformações profundas em organizações.
“Meu pai, que foi uma grande inspiração para mim, me falou quando me formei: Espero que tenha a sorte de ter bons chefes. Quanto melhor forem seus chefes, maiores as chances de desenvolvimento profissional. Quanto mais limitados eles forem, mais vai esbarrar no desenvolvimento de sua carreira. E cuide das pessoas ao seu entorno, pois elas que te farão crescer. Essa é uma receita muito boa.”, aconselha.
Compartilhamos os principais trechos da entrevista.
Quando surgiu a ideia de trabalhar em uma mineradora?
S.A.: Desde pequeno, tinha o desejo de ser geólogo. Era fascinado com a história evolutiva da crosta terrestre, a formação das rochas e minerais, das montanhas e dos grandes cataclismos naturais que transformaram o mundo ao longo das eras. Entender a formação do mundo me fascinava. No segundo grau, me dei conta que gostava muito de ciências exatas, como matemática e física. E a união de geologia com ciências exatas gera a engenharia de minas (risos). Resolvi seguir a profissão. Evidentemente, depois de cursar essa especialidade da engenharia, tive a oportunidade de trabalhar em uma empresa de mineração, abracei a área, seguindo toda minha carreira no setor.
Esta é a quarta empresa que você dirige. Antes da MRN, você esteve à frente das companhias Caraíba, Yamana e Beadell. O que foi determinante em sua trajetória para alcançar a presidência nessas empresas?
S.A.: É um conjunto de fatores. Não existe uma receita de bolo que diz “siga esses passos e você se tornará presidente”. Acredito que tive sorte. Sorte, para mim, é estar preparado quando as oportunidades aparecem. Temos que cuidar de nossas carreiras, nos desenvolver adequadamente para cada momento e, assim, quando as oportunidades aparecem, estarmos aptos para abraçá-las.
Também é preciso ter paixão pelo que se faz. Quando decidi estudar engenharia de minas, meu padrinho, engenheiro civil com uma trajetória de sucesso, passando toda sua carreira na Petrobras, tendo trabalhado no Iraque por cerca de sete anos, perguntou se eu estava louco por escolher o curso. Ele dizia que eu deveria cursar engenharia civil, que era a “mãe” de todas as engenharias, o resto para ele era invenção.
Falei com meu pai a respeito e ele me disse para fazer o que eu gostasse e seria bem-sucedido. Tudo que fiz até hoje foi com muito amor, pois gosto do trabalho que faço. Outro ponto importante é ter disponibilidade, se dedicar à empresa em que trabalha. Muitas oportunidades que abracei foram resultado da minha disponibilidade superior a média.
Você atua na MRN há dois anos e meio, sucedendo um executivo que estava há muito tempo no cargo. No seu primeiro ano como presidente, o índice de satisfação dos funcionários caiu 10 pontos percentuais. Por outro lado, você colocou as contas da empresa no eixo e estabeleceu rituais de governança. Como conciliar o cumprimento das metas com a felicidade dos trabalhadores?
S.A.: Me permita corrigir um pouco sua percepção do conceito. Não temos que conciliar atingimento de metas e um ambiente com pessoas felizes. Na verdade, o ambiente de pessoas felizes é mais propício a atingir as metas. No primeiro ano, o índice de clima organizacional realmente caiu 10 pontos. Em compensação, conseguimos melhorar os resultados operacionais, de custo, segurança e financeiros.
No segundo ano de gestão, melhoramos ainda mais os resultados, batendo recordes, como o de embarque de minério e segurança. Fizemos um custo melhor que o do ano anterior e subimos 23 pontos percentuais no mesmo índice. Essa é a demonstração cabal de que é possível potencializar o resultado das organizações através da felicidade dos colaboradores.
Qual a transformação que vem realizando na organização? Existe algum modelo de transformação que você coloca em prática?
S.A.: Existe uma regra muito simples para empresas de mineração. Para entender, vou explicar um pouco do contexto desse tipo de companhia. Mineradoras trabalham com commodities, que não possuem preços controláveis, apenas custos. A MRN possui contratos de longo prazo firmados com clientes, mas o preço é fixo. A razão de viver da empresa é entregar a quantidade programada de bauxita com boa qualidade e no prazo certo. Cumprir as metas de produção, custo, segurança e da parte ambiental, já que operamos em uma floresta nacional, passa a ser obrigação.
São etapas que não podem ser descumpridas. Digo que o custo é igual uma bíblia. É preciso colocar a mão em cima, jurar e cumprir o prometido. Quando se consegue equilibrar a gestão da empresa com custo, segurança, produção e controles ambientais, cria-se um ambiente propício para alavancar resultados interessantes.
Nosso modelo de gestão foi esse. Fizemos um planejamento estratégico simples, com três metas globais: melhorar o sistema de gestão, produção e custo. Uma vez estabilizados, esses pilarem criam alicerces seguros para potencializar o desenvolvimento da natureza complementar. Foi isso que fizemos até agora.
“Tudo que fiz até hoje foi com muito amor, pois gosto do trabalho que faço. Outro ponto importante é ter disponibilidade, se dedicar à empresa em que trabalha. Muitas oportunidades que abracei foram resultado da minha disponibilidade superior a média.”
A empresa está localizada na floresta amazônica. O que fazem para reduzir o impacto ambiental na região?
S.A.: A MRN é um case de sucesso com relação a práticas ambientais, operando há 36 anos de forma contínua dentro de uma unidade de conservação dentro da floresta, gerenciada pelo Instituto Chico Mendes de Biodiversidade. Prestamos reports contínuos a eles e ao Ibama. O segredo é cumprir nossos valores, respeitando o Homem e o meio ambiente. A empresa sempre se cercou dos melhores especialistas da área, com o mais avançado conhecimento.
Muitas pesquisas foram desenvolvidas aqui. Ainda implantamos práticas de gestão ambiental exemplares. Nossa atividade recupera o meio ambiente à medida que fazemos a supressão vegetal. Durante a operação na mina já iniciamos o reflorestamento. Para se ter uma ideia, a floresta devolvida ao meio ambiente é mais enriquecida do que a natural. Aumentamos a densidade de espécies do ponto de vista de preservação, inclusive com produtividade maior para as gerações futuras. Existem práticas socioambientais de vanguarda. É um case interessante para demonstrar que é possível fazer mineração de forma sustentável e com respeito ao meio ambiente.
Você acredita que o acidente da Samarco, que tem como acionista a Vale — também maior acionista da MRN — afetou de alguma forma a empresa ou o setor?
S.A.: O acidente da Samarco causa um impacto geral no setor. A mineração historicamente já possui um estigma, vindo desde os tempos do Brasil Colônia. Sempre foi uma atividade considerada predatória para tirar os bens minerais do País e levar para a Coroa. Desde essa época, a sociedade brasileira não vê a mineração com bons olhos. E ainda existe o estigma do garimpo. Muitos, até hoje, confundem as atividades de mineração com o garimpo, e toda a devastação ambiental causada por este. A sociedade, de forma geral, ainda associa a mineração com o garimpo.
As pessoas mais reativas e conservadoras esquecem que toda a vida moderna atual se sustenta toda nos bens de consumo que vêm da mineração, como a construção civil, aeroespacial, telecomunicações… A sociedade precisa mudar essa percepção, pois é possível fazer mineração de forma sustentável e bem estruturada, não trazendo malefícios ao meio ambiente.
Voltando a Samarco, é claro que o que aconteceu gera um impacto maior na imagem da mineração perante a sociedade. Mas, no caso da MRN, temos um modelo de deposição de rejeitos completamente diferente daquele apresentado no acidente. Possuímos controles e aspectos legais com um sistema muito mais seguro.
De que maneira a crise política e econômica atual afeta a MRN?
S.A.: Afeta de forma indireta. O principal efeito sofrido é a pressão da inflação. O Brasil vinha de um período bastante razoável de controle da inflação e no último ano apresentou uma tendência mais alta. Mas, como temos contratos de longo prazo e o preço internacional da bauxita não é tão afetado pela crise brasileira, os impactos não são tão imediatos.
Por exemplo, uma crise mundial que desestabiliza o crescimento da China pode ser muito mais danosa à mineração do que a própria crise econômica brasileira. Entretanto, sofremos dois efeitos diretos: a inflação e a questão do marco regulatório, que ainda não foi definida no Congresso. Com a crise política, fatalmente vai levar mais tempo para uma solução, impactando na atração de investimentos externos para o Brasil e no desenvolvimento e continuidade de tais investimentos por aqui.
Algo curioso na MRN é que seus clientes são os mesmos que os acionistas. Toda regra de empresa é conseguir o menor preço para o cliente e o maior lucro para o acionista. Como vocês lidam com essa questão?
S.A.: Esse é um aspecto interessante da MRN. No passado, todos os acionistas eram da cadeia do alumínio, o que trazia uma hegemonia muito maior do ponto de vista do posicionamento estratégico. Agora, parte dos acionistas não integra mais tal cadeia. É preciso ter uma gestão muito equilibrada ao trazer o melhor benefício ao conjunto de acionistas. Realmente, esse equilíbrio deve acontecer. Como toda mineradora lida com commodities, o custo baixo é sempre importante e isso é refletido nos resultados e dividendos distribuídos aos acionistas. É importante também destacar com relação ao preço que isso não impacta de forma imediata, já que firmamos contratos de longo prazo.
“Nossa atividade recupera o meio ambiente à medida que fazemos a supressão vegetal. Durante a operação na mina já iniciamos o reflorestamento. Para se ter uma ideia, a floresta devolvida ao meio ambiente é mais enriquecida do que a natural.”
Porto Trombetas é uma vila que vocês construíram e fica bem distante dos grandes centros, a cerca de 240 km de Santarém. O acesso é apenas possível por rio e ar. Quais as implicações de viver em um local tão ermo e distante de grandes centros?
S.A.: Quando iniciei meu trabalho na MRN, alguém me disse que era um local muito distante. Eu respondi dizendo que distante era o local que meu avô havia escolhido trabalhar quando se formou: o interior do Acre (risos). Em 1908, meu avô e seu irmão se formaram em odontologia e medicina, respectivamente, na Escola de Medicina da Bahia, a primeira do Brasil, um prédio hoje tombado historicamente. Difícil acesso e longe da civilização era o Acre em 1908! (risos).
Se eu achasse que a vila de Porto Trombetas fosse um lugar distante, meu avô puxaria minha orelha (risos). O que compensa nesta distância é a qualidade de vida. Os grandes centros urbanos possuem muitos atrativos da vida moderna, como bons restaurantes, cinemas, festas e teatros. Aqui em Porto Trombetas, eventos como esse não existem. Mas, em compensação, os moradores de Porto possuem uma qualidade de vida que compensa, o que se torna um atrativo. Nossos filhos têm total liberdade de ir e vir com quase nenhum risco de violência, más companhias ou exposição a drogas.
E as onças?
S.A.: (Risos) Temos histórias sobre onças, mas onça mesmo é muito difícil aparecer. Acredito que a qualidade de vida compensa. Para referência, é importante destacar que muitos filhos de moradores da região vão estudar fora e depois que cursam a universidade passam suas férias aqui. As pessoas se conectam com o lugar e retornam. Esse potencial de isolamento, distância, é muito compensado por nosso estilo de vida.
Normalmente, os jovens gostam da agitação das cidades… Como atrair a juventude para trabalhar com vocês?
S.A.: Só existe uma forma… É por meio da criação de um ambiente de trabalho em que os colaboradores sintam a conexão de seus propósitos de vida com os da companhia. Se a pessoa compartilha sua identidade com a empresa e se sente feliz e reconhecida naquele ambiente, pouco importa sua localização.
Temos uma festa de homenagem aos colaboradores que ficam muitos anos com a gente, com 10 a 40 anos de casa. Anualmente são homenageados cerca de 120 empregados que completam esses aniversários, como de 15 ou 25 anos. Isso mostra que se estão aqui há muito tempo, se identificaram com a empresa. Não tivemos dificuldade em atrair jovens profissionais. Esses talentos enxergam a MRN como uma empresa respeitável e admirável.
Uma coisa importante que você destacou é a conexão entre o propósito da organização com o da vida das pessoas. Como a MRN faz isso?
S.A.: Tentamos descobrir o que motiva os colaboradores em suas vidas pessoais, em que lugar querem chegar e em que posição se veem no futuro. Quando oferecemos tal atenção especial, conseguimos enxergar cada ponto de vista e como cada um deseja desenvolver seu plano de vida. Ao estimulá-lo, mostramos como seus objetivos podem ser atingidos dentro da empresa. Esse é o segredo: “Linkar” os objetivos de vida dos colaboradores com os propósitos da companhia.
“Se a pessoa compartilha sua identidade com a empresa e se sente feliz e reconhecida naquele ambiente, pouco importa sua localização.”
Qual é a política da MRN quanto a pessoas? O que vocês têm feito para o desenvolvimento de talentos e qual o processo do líder nesse processo?
S.A.: Nosso propósito atual é o de contar com pessoas felizes e comprometidas. Isso começa com os valores, o respeito do Homem e da natureza, mas também dentro do nosso propósito de ter pessoas assim trabalhando conosco. O trabalho da liderança é fazer com que os colaboradores tenham a oportunidade de se realizarem aqui. E isso é algo de que não abrimos mão.
Como falei anteriormente, antes de ingressar na faculdade meu pai me disse que a maior parte do nosso tempo é utilizado no trabalho e que se eu não me sentisse feliz e realizado profissionalmente, me tornaria frustrado. Cada um tem seu sentido de felicidade e cada um precisa descobrir o seu. O importante é que cada líder descubra o que motiva e realiza seu colaborador e tente conectar esse sentido maior com o propósito da empresa.
Quais dicas você daria a outro presidente que está enfrentando o desafio de transformar sua empresa?
S.A.: Diria para usar sua intuição e aplicar suas convicções. E persista! É uma prerrogativa indispensável para liderar uma empresa. Primeiramente, é preciso acreditar, ter um sentimento consolidado. Se você não acreditar, os outros não vão te seguir. Depois, é essencial persistir. Para isso, é preciso uma estrutura, ter um sonho, planejar. Depois da fase do sonho, da vontade, vem o desejo. Assim que você deseja, você faz as conexões de passos. Depois, estabelecemos metas, que devem ser completas. A meta é um conjunto de informações que resulta em um direcionamento. O mais importante é possuir o sonho e, depois, persistir. O caminho é a estrutura.
E quais foram os grandes aprendizados do caminho que você percorreu até agora?
S.A.: O grande aprendizado é que ninguém transforma nada sozinho. Nada pode ser feito sozinho. “Um” é um número muito pequeno para mudar uma organização. É preciso aprender a criar o sonho e inspirar as pessoas. São as pessoas que fazem as transformações. Esse processo é compartilhado e construído em conjunto. É um time. Aqui, ninguém é mais importante do que o outro ou faz mais a diferença do que seu colega. O conceito é possuir um time motivado e alinhado com o propósito da empresa e inspirado no sonho de seu líder. O segredo é criar essa inspiração, que resulta na transformação.
Você tem arrependimentos ou algo que faria diferente?
S.A.: Não tenho um arrependimento que me marcou. Não costumo me arrepender, pois na vida temos escolhas. Sempre temos a oportunidade de escolher. Entretanto, nem sempre temos todas as informações necessárias para tomar a melhor decisão. Por isso, às vezes, é preciso decidir com uma quantidade de informações limitada e usar o nosso instinto. Muitos se arrependem ao tomar esse tipo de decisão. Na verdade, em alguns casos, para se saber que escolheu o caminho errado, seria preciso voltar no tempo, o que é impossível. É muito difícil comparar se a decisão que tomamos é a certa ou a errada… Eu procuro tomar decisões olhando o conjunto de fatos e dados que tenho e completá-los com minha intuição, mas jamais me arrependo do caminho escolhido.
“Cada um tem seu sentido de felicidade e cada um precisa descobrir o seu. O importante é que cada líder descubra o que motiva e realiza seu colaborador e tente conectar esse sentido maior com o propósito da empresa.”
Se pudesse encontrar o Silvano Andrade recém-formado e tivesse 15 segundos com ele, que conselho você daria?
S.A.: Tem uma aluna da escola aqui em Porto Trombetas que participou de um concurso dos Correios e precisava fazer uma carta para ela aos 45 anos. E ela ganhou um concurso nacional com isso e está agora concorrendo na etapa internacional. Você me faz a pergunta contrária (risos). Eu diria: Tenha a mesma dedicação que sempre teve. O mesmo desprendimento e a mesma energia para fazer as coisas com o coração e use o amor que você tem pelo trabalho e cuide das pessoas em sua trajetória. E, principalmente, observe muito bem seus superiores.
Como disse anteriormente, “Meu pai, que foi uma grande inspiração para mim, me falou quando me formei: Espero que tenha a sorte de ter bons chefes. Quanto melhor forem seus chefes, maiores as chances de desenvolvimento profissional. Quanto mais limitados eles forem, mais vai esbarrar no desenvolvimento de sua carreira. Então, reforçaria esse conceito. Observe. Se você tem chefe ruim, procure mudar de área, ou até mesmo de emprego. Se tiver um chefe bom, você vai se desenvolver muito mais na sua carreira. E cuide das pessoas ao seu entorno, pois elas que te farão crescer. Essa é uma receita muito boa.
Tive excelentes líderes que me inspiraram bastante, cada um com características diferentes e inspiradoras. E depois de algum tempo percebi a amplitude daquilo que meu pai falava. Não somente com relação a me preocupar com meu chefe direto, mas com a ideia de passar a me preocupar com as pessoas que estavam trabalhando para mim, se formando. Eu passei a ser o chefe e tinha que cuidar dos jovens que entravam, tentando inspirá-los da mesma forma que fui inspirado. E essa é uma grande satisfação!