Corall entrevista Richard Stad, CEO da Aramis
O crescimento da empresa é a ponta do iceberg.
Aos 22 anos Richard Stad foi convidado pelo pai, o francês Henri Stad, para trabalhar na Aramis, empresa da Família. Formado em administração e marketing e então funcionário de outra companhia, Richard disse sim com uma condição: faria antes uma viagem de seis meses ao redor do mundo.
Roteiro concluído com diversas aventuras e aprendizado, na sequência, em 2007, iniciou sua primeira experiência no estoque da empresa dobrando caixa. O crescimento foi natural e as conquistas apareceram. Depois de passar por todas as áreas, chegou ao cargo de presidente, em fevereiro de 2014.
A história da companhia começou em 1995 com uma loja no shopping Iguatemi, em São Paulo, colocando a marca em um dos mais badalados corredores de moda do país. Ao longo dos anos, aprimorou o estilo de suas peças e uniu moda, conforto e qualidade em todas as linhas que compõem suas coleções.
Hoje, mais de 20 anos depois, celebra sua história com 78 lojas em 25 estados, presença em 630 lojas multimarcas, cinco linhas de produtos com opções de peças para todas as ocasiões e planos agressivos de expansão para os próximos anos.
Entrevistado por Vicente Gomes para o blog da Corall Consultoria, Richard Stad falou sobre os desafios enfrentados ao iniciar sua jornada na empresa, as vantagens e desvantagens de entrar em um negócio familiar, as disrupções digitais que estão ocorrendo no varejo da moda e suas inspirações de liderança.
“O varejo da moda demorou para entender a revolução do big data e mais ainda do small data. Estamos saindo da muita informação para a micro informação”.
Aos 22 anos você foi convidado pelo seu pai a iniciar sua jornada na empresa. Quais foram os desafios enfrentados que trouxeram os maiores aprendizados? O fato de ser filho do dono ajudou ou atrapalhou sua jornada na companhia?
Já se passaram dez anos desse movimento de muito valor pessoal e profissional. Trabalhava na Palm e meu pai fez um convite para atuar na Aramis. Naquele momento minha única condição foi ficar seis meses fora para viajar, pois sabia que quando voltasse teria algo muito desafiador pela frente. Hoje vejo que estava até mais certo do que imaginava.
Ao começar na Aramis, com apenas 22 anos e depois de uma viagem de volta ao mundo, surgiram comentários como “chegou o playboy que vai quebrar a empresa”. O primeiro contato que as pessoas tiveram comigo foi de incerteza por ser jovem. Mas tive a oportunidade de começar em um processo de trainee no estoque dobrando caixas, o que foi fundamental. O mais importante dessa jornada é que fui crescendo de forma orgânica e passei por todas as áreas.
Mas não adianta falar que foram mil maravilhas. Quando cheguei algumas pessoas ficaram desconfortáveis. Com três meses de empresa, um gestor que cuidava do canal multimarca pediu para sair. Com isso, meu pai falou que eu iria assumir essa área e que precisava aprender o máximo possível porque em pouco tempo iria tocar meu primeiro showroom.
Fui percorrer o Brasil, rodei 13 mil quilômetros de carro em menos de dois meses, o que foi uma grande imersão para aprender o que é multimarca. Fiz meu primeiro showroom e consegui crescer 11%, superando as expectativas. Depois disso, contratamos um forte gestor e fiquei muito próximo dele por uns três anos.
Logo quando entrei na empresa, em 2007, perguntei às pessoas quais processos poderiam ser modificados e que poderíamos melhorar. Naquela primeira reunião já tinha em mente que chegaria para facilitar e criar novos processos. Isso nos ajudou a ganhar eficiência e preparar a companhia para ter esse olhar conectado.
Mas o que você aprendeu nesses seis meses de viagem que foram levados para o negócio?
Quem já se enfiou no meio da Ásia, dormindo por três dólares, aprende rapidamente o que é se virar sozinho. A viagem me ensinou que a cada cinco dias precisava iniciar tudo de novo. Desconstruir para construir.
Naquela ocasião precisava criar novas amizades e buscar informações. Isso pode parecer simples, mas enriquece as questões de relacionamentos, os desafios e as oportunidades. Se me perguntasse na viagem se iria estar onde estou hoje, diria que seria impossível. Foi um tempo de reflexão em que que tive muito aprendizado para me preparar para os negócios.
Em plena crise você comandou um plano de expansão de abrir 40 lojas em três anos. Como manter o time motivado em momentos de turbulência? O que te motivou a seguir investindo mesmo com a economia dando sinais contrários?
Acredito que sorte é oportunidade e competência. Aproveito para incluir também nessa equação o timing. Sempre quis montar uma empresa de varejo diferente, mas, para isso, sabia que precisava de talentos. Assumi a presidência muito novo e precisava de um time que sonhava alto.
Em 2012, o Brasil estava superficialmente aquecido e não poderíamos ter uma empresa média em um mercado em consolidação, principalmente com um custo alto. Isso seria a receita para um período bem turbulento. Meu pai me perguntou o que precisava. Respondi que necessitávamos de um investimento para preparar a companhia para o próximo ciclo. Foi um ano de convencimento árduo para mostrar os porquês.
Naquela ocasião não fiz pelo recurso, mas sim pelo autoconhecimento. Tivemos a oportunidade muito certeira de trazer um fundo, a 2bCapital do Bradesco, em fevereiro de 2014. Eles entraram na companhia com uma vontade enorme de trazer governança e também de investir um capital que fez total diferença. Incrivelmente conseguimos crescer nesses momentos difíceis e acertamos o timing de aproveitar a crise.
O que eu digo é que o crescimento de 40 lojas é apenas a ponta do iceberg e mera consequência da construção sólida de pessoas, processos e tecnologia. O maior investimento e aquisição foi montar um time de qualidade que viesse para construir um sonho de empresa que quer fazer diferente.
As empresas estão sendo desafiadas a fazer a tal da transformação digital. Quais são as disrupções que estão ocorrendo na sua área de negócios? Quais são as oportunidades e ameaças?
O varejo de moda demorou para entender a revolução do big data e muito mais para entender a evolução atual da small data. Estamos saindo da muita informação para a micro informação. O que estamos colhendo agora foi plantando há cerca de três anos. A empresa precisa contar com tecnologias apropriadas para absorver as informações e também para conseguir colocar em prática.
Acredito que haverá um equilíbrio entre loja física e virtual. Não vai acabar a loja física, mas vivemos uma transformação da customização da experiência. Para isso, precisamos entender a importância da customização da loja e do consumidor. A evolução é que a loja seja um ponto de experiência para a marca e necessitamos da informação para a personificação.
Hoje é possível montar um e-mail marketing exclusivo, personalizado. Precisamos saber usar isso ao nosso favor. Na loja também precisamos entregar essa personalização. E por isso é importante investir em tecnologia. O contato com a marca está se transformando e precisamos acompanhar essa evolução.
Qual sua visão de futuro para seu negócio? Como manter uma marca no topo em um mercado tão competitivo como o de moda?
Gosto da tese da parábola e ruptura do negócio. Qualquer marca tem a parábola de crescimento que chega a um ponto máximo e daí precisa mudar para continuar sua evolução. O desafio é entender o próximo ponto de virada para continuar crescendo.
Nosso ponto atual está na questão de engajamento do time e de propósito único. O consumidor procura marca que tem propósito e não só pela beleza, mas principalmente pela funcionalidade que uma geração está pedindo, que é de um olhar novo do capitalismo consciente e menos no negócio.
Gosto muito da educação. Nos unimos ao Instituto Ayrton Senna para doar 1 Real para cada peça vendida. Se toda marca, em cima dos pilares sociais, se conectar com as verdades da companhia, ela irá se transformar. Isso vai criar uma linha perpétua de marca para os consumidores que buscam verdade.
E hoje podemos mostrar na prática esse discurso de não ser apenas uma loja. Estou dando essa entrevista aqui na Casa Aramis, onde vamos mostrar muito mais do que roupa, mas um espaço de equilíbrio entre trabalho e família e os desafios da paternidade. Aqui é mais do que se vestir. Será uma forma de criar uma rede de comunicação e conteúdo para gerar engajamento.
Para alguém usar um “A” no peito precisa ser mais do que o Fernando Alonso falando na campanha. Ele é o catalizador do processo, um ponto muito importante, mas a continuidade da evolução é muito mais do que isso. A consciência que a empresa tem,além da campanha, é que o consumidor espera muito mais do que isso.
Muitos profissionais de sucesso falam que é muito importante trazer satisfação pessoal para dentro da empresa e isso faz a diferença. Você tem aquele momento de descarregar a energia que te motiva ainda mais nos negócios?
O mais importante é o equilíbrio. Passei por um período de um ano e meio bem desafiador de dedicação com o nascimento do meu filho, que demanda uma certa atenção para criar conexão. Esse equilíbrio vem da mente e do corpo.
Mesmo com um ano desafiador faço meu esporte pelo menos cinco dias por semana, independentemente do quanto eu consegui dormir no dia anterior. Faço Muay Thai, que é onde solto a energia.
Digo que liderar pelo exemplo demanda muito equilíbrio, algo que também venho explorando como equacionar. As pessoas esperam isso, que também é um dos pilares da empresa — liderar pelo exemplo.
Falando agora de liderança, qual seu estilo? Algum líder ou modelo de liderança foi mais inspirador para você?
Leio muita biografia e busco inspiração nos líderes que admiro. De cada líder pego alguma coisa. Recentemente li a biografia do Jack Ma, que é um executivo que monta a empresa pelas pessoas. É nítido o olhar dos funcionários por ter esse olhar de construção. Tem a história do Phil Knight, da Nike, que conseguiu trazer um olhar de transformação sem limite.
Uma inspiração recente foi uma palestra do Ricardo Geromel, um cara de 30 e poucos anos que comprova que idade não é documento. Ele entrevistou alguns bilionários e descobriu que o crescimento desses executivos não está ligado principalmente pela parte educacional, mas principalmente pelo poder de conectar e conseguir vender um sonho.
Por isso eu pergunto: qual é seu poder de convencimento para as pessoas comprarem seu sonho? Quem consegue resolver isso, trazendo as pessoas corretas, tem a fórmula nas mãos. Reforço que é muito importante criar o efeito multiplicador, que é trazer para as pessoas mais próximas a importância de acreditarem no seu sonho. No meu caso é fazer o colaborador vender pela alma. Por que não vendemos roupa, mas sim um conceito e uma marca.
Qual sua visão sobre o atual momento da educação no Brasil?
Um case atual de sucesso é o da China. Eles vêm fazendo um trabalho incrível na educação. Para você ter uma ideia, as crianças com sete anos começam a aprender sobre inteligência artificial na escola. Quando olhamos a educação brasileira ficamos tristes.
Um amigo me chamou para conhecer o projeto do Instituto Ayrton Senna. Eles fazem o que é mais desafiador: capacitar professores. Isso é a questão do efeito multiplicador que falei. Afinal, os professores capacitados podem impactar milhões de crianças. Outro trabalho que fazemos é a Liga Solidária, uma ONG que prepara jovens para entrar no mercado de trabalho.
Procuro sempre ajudar, mas sei que no momento não adianta montar a Fundação Aramis. O que precisamos é usar nosso ativo para ajudar o próximo. Precisamos vender mais para ajudar. Isso passa em capacitar os nossos colaboradores. É acabar com o capitalismo simplesmente pelo consumo. Isso sim traz um significado especial nas vendas, um verdadeiro propósito em transformar vidas.
Se você realizar tudo que já desejou e deseja, pelo que gostaria de ser lembrado?
Gostaria de ser lembrado por ter sido uma pessoa que teve um olhar de construção de uma companhia que transformou o mercado. E mais para frente tenho o sonho, junto com a minha esposa, de montar uma ONG para transformar a vida de outras pessoas.
Se pudesse voltar no tempo para conversar com o Richard que acabou de sair da faculdade, quais seriam os conselhos? O que faria diferente?
O primeiro conselho seria faça por você. Nunca fui o melhor aluno, mas consegui entender meu potencial e o porquê estava fazendo. Sempre fui carismático e me dava bem com pessoas, mas tinha um desafio comigo mesmo de acreditar no meu potencial de trabalho. A briga era contra o melhor que eu poderia ser.
Se pudesse voltar no tempo eu ressaltaria a importância de ser verdadeiro. Independente do tamanho dos degraus é necessário ter autoconhecimento e trabalhar com muita força de vontade. Pegue o que você não é bom e trabalhe esse ponto, mas pegue o que você é bom e faça mais ainda, porque é aí que você vai se descobrir.
Poderia deixar um conselho para os jovens que buscam empreender e também alcançar grandes vitórias nas carreiras?
O conselho seria para ter foco e disciplina. Nada chega fácil. Tenha paciência e entenda que perder algumas batalhas faz parte; o importante é não perder a guerra. Saiba também que sempre a próxima oportunidade é mais importante do que a atual. Se você montou um plano, sabendo que isso é passível de ajustes no caminho, trabalhe arduamente que as coisas vão acontecer.
Artigo originalmente publicado na HSM Experience
Assista o vídeo da entrevista: