Reflexões sobre momento histórico e experiências pessoais sobre o futuro.
Assisti à sessão online intitulada “The end of the Billionaire Mindset: A celebration” do Douglas Rushkoff no SXSW 2023, que trouxe importantes provocações. Uma delas, que para mim é central no contexto atual, é a ilusão de que o mercado, focando apenas em dinheiro e tecnologia, poderá solucionar os maiores desafios da humanidade. Investidores e empreendedores bilionários estão depositando sua fé nessas duas ferramentas, como se fossem soluções mágicas, quando sabemos que há muitas outras variáveis que influenciam nossa existência. Como mencionado por Rushkoff em seu livro Team Human:
“O que precisamos é uma nova economia orientada para as pessoas, uma economia que dê suporte à comunidade e à vida social em vez de solapá-las”.
Comunidade… O FUTURO É ANALÓGICO
Se quisermos realmente lidar com os desafios que permitirão a nossa existência na Terra de forma harmoniosa e regenerativa, precisamos compreender o valor de se conectar com as outras pessoas de maneira autêntica e não apenas por meio de tecnologias digitais. Martin Buber, diz que o encontro autêntico é aquele em que as pessoas se encontram em uma relação de igualdade, em que ambas são capazes de reconhecer a existência e a singularidade do outro permitindo a “relação dialógica”, ou seja, as pessoas se comunicam não apenas com palavras, mas com toda a sua presença e ação, com todo o seu corpo em movimento.
Realidade Virtual (VR), Metaverso e Plataformas digitais não são capazes de substituir o valor e a importância do encontro entre as pessoas. Em 2018 foi publicado na revista científica “Frontiers in Psychology” que abraços podem ajudar a reduzir a atividade do sistema nervoso simpático, que é responsável pela resposta ao estresse no corpo.
Outro estudo realizado em 2014 e publicado no “International Journal of Psychophysiology” mostrou que os abraços podem reduzir a pressão arterial e diminuir os níveis de cortisol, um hormônio relacionado ao estresse.
Em 2015 no “Journal of Research in Personality” publicou que os abraços podem ajudar a reduzir os efeitos negativos do estresse social. São alguns exemplos que ilustram que o contato humano é fundamental para nossa saúde e bem-estar.
Além disso, a importância do contato humano pode ser vista em eventos ao vivo, como shows e festivais. Estive no show do Motley Crue e Def Leppard no Allianz Parque, que incrível foi sentir o som, as vozes se tornando únicas, o grave da música sendo sentido no peito, como se as frequências sonoras e as batidas do coração pudessem se tornar uma só. Esses eventos criam uma atmosfera impossível de ser virtualizada, as pessoas se conectam e se emocionam juntas. Como amante do mar essa frase do Jacques-Yves Cousteau ganha ainda mais força:
Quando vamos até o fundo do mar, descobrimos que ali jamais poderíamos viver sozinhos. Então levamos mais alguém. E esta pessoa, chamada de dupla, companheiro ou simplesmente amigo, passa a ser importante para nós. Porque, além de poder salvar nossa vida, passa a compartilhar tudo que vimos e sentimos. E em duplas, passamos a ter equipes, e estas passam a ser cada vez maiores e mais unidas. E assim entendemos que somos todos velhos amigos mesmo que não nos conheçamos. E esse elo que nos une é maior que todos os outros que já encontramos. E isso faz com que nós, mais do que amigos. Faz de nós, mergulhadores.
Uma ideia comum que se baseia na teoria de que experiências compartilhadas criam laços emocionais mais fortes entre as pessoas do que experiências individuais, por isso muitas pessoas relataram que durante o isolamento social na pandemia, todos os dias pareciam iguais. Como o futuro é criado nas decisões presentes, precisamos dedicar tempo para os encontros e momentos especiais.
Sabedoria… O FUTURO É ANCESTRAL
Precisamos resgatar algo da sabedoria dos povos ancestrais que consideramos em algum momento da nossa história como primitivo ou não evoluído. Tivemos na Corall Consultoria uma experiência linda com a Aldeia da Jaqueira, fundada por 3 irmãs mulheres que em rodas de conversa me ensinaram mais em um dia, do que horas de leitura e estudos na tela do computador.
Assim como a Aldeia da Jaqueira, muitas culturas antigas possuem tradições e práticas que enfatizam a importância da conexão com a natureza, com a comunidade e com a espiritualidade. Eu tive a honra de conversar com o Ailton Krenak, líder indigena e escritor que possui uma lucidez incrível e que tem feito diversas críticas sobre a nossa forma de lidar com a vida, aqui estão algumas que tive o prazer de conversar com ele:
- A civilização branca age como formigas devoradoras do mundo, não reflete e nem agem para cuidar da natureza, para os Krenaks a Terra é sua casa, existe uma relação direta com o local, por isso ele e a comunidade não se mudam depois da tragédia de Mariana em MG, na ocasião que conversei com ele, ainda estavam sem água.
- Criadores de ilusão, a civilização branca valoriza o sucesso individual e a competição, abrir mão disso parece impossível, então essa civilização cria a ilusão de utilizar menos recursos, de gerar menos impacto como se estivesse fazendo um favor para a natureza, um completo descompasso entre as pessoas da cidade e da vida fora dos muros e concretos, não existe reconexão com a natureza, uma vez que ainda não existiu a conexão, como os povos originários concebem a vida.
- Desvalorização dos saberes ancestrais e dos povos originários, como se a civilização branca estivesse acima, ignorando a sabedoria de quem busca viver em harmonia com a natureza (medicina, tradição, cuidado, bem-estar coletivo, sustento e respeito à vida).
Como consteladora sistêmica, não posso deixar de citar o impacto que a Tribo Zulu teve na vida e obra do Bert Hellinger, pois para essa tradição as necessidades humanas se conectam com as forças da natureza, através da simetria oculta do amor, quando o olhar honroso e respeitoso se volta à origem da vida e dos ancestrais, um efeito curativo parece emergir como ordens naturais do amor.
Teria muitos outros pontos para adicionar, mas vale a pena citar como a ayahuasca, peiote e a ibogaína, têm sido objeto de pesquisa recente como promissoras opções para tratar questões de saúde mental, trazendo novas perspectivas terapêuticas baseadas em saberes tradicionais. Sabemos muito pouco sobre nós mesmos, olhar para o passado permite refletir e compreender o que será levado para o futuro e o que não se repetirá.
Colaboração…. O FUTURO É MATRÍSTICO
A lógica patriarcal baseada na energia masculina de comando, controle, competição e crescimento infinito, que estabelece uma relação de vitória-derrota e hierarquização das pessoas com base em métricas ilusórias de sucesso, é insustentável, se continuarmos repetindo esse padrão, sumiremos da Terra.
Humberto Maturana falava das Culturas Matrísticas, se referindo às sociedades cuja presença feminina gera uma coerência sistêmica acolhedora, descentralizada, com poder distribuído, vozes coletivas acolhidas. Propõe uma visão de mundo baseada na matristidade, que valoriza as relações humanas e a colaboração ao invés da competição e hierarquia de controle, pois é um estado natural da vida, em que os seres vivos coexistem em uma rede de interações e dependências mútuas, em uma contínua coordenação de coordenações.
O Futuro é matrístico porque é uma forma mais saudável e sustentável de organização social, em que os indivíduos são valorizados pelo que são e pelo que podem oferecer à comunidade, ao invés de serem julgados por métricas fantasiosas de sucesso.
Esses foram alguns insights que tive sobre o Futuro ser analógico, ancestral e matrístico, porque a tecnologia digital crescerá exponencialmente, enquanto o humano, ou tecnologia social, precisará de mais tempo e a minha urgência está no Futuro em que nós continuaremos existindo, mas com significativas transformações nas relações que estabelecemos.