“O papel do gestor é criar o alinhamento entre propósito e visão e liberar o potencial das pessoas, colocando-as nos lugares certos. Quando se faz isso, uma energia enorme é liberada! Ninguém quer exercer um papel mediano… Todos querem brilhar. Acredito que as organizações podem funcionar como veículos para a realização pessoal e não simplesmente um local em que se ganha dinheiro.”
Em mais de uma hora de entrevista ao blog da Corall, o engenheiro André Dias, CEO da Nidera Seeds, compartilhou sua visão sobre o mercado de atuação da companhia, sementes, falou sobre a polêmica da biotecnologia, destacou os principais aspectos de seus modelos de transformação de negócios e descreveu sua trajetória de sucesso, que o levou a se tornar presidente da Monsanto, uma das companhias mais emblemáticas do país, aos 40 anos.
Você teve uma carreira de sucesso na Monsanto. Em 2008, aos 40 anos, se tornou presidente da companhia no Brasil. Em 2013, assumiu a vice-presidência global de operações de manufatura e supply chain. Em seguida, passou por um período sabático por pouco mais de um ano, até chegar a sua posição atual, na Nidera Seeds. O que te levou a abrir mão de um cargo tão importante na Monsanto, líder mundial no setor de sementes? Foi uma decisão difícil?
A.D. Foi uma escolha de vida. De certa forma, voltar para a Monsanto do Brasil como presidente era o fechamento de um ciclo. Comecei na empresa como engenheiro na fábrica, passei pelos Estados Unidos, pela Ásia, assumi a posição de líder do negócio e voltei. Logo no início do meu trabalho como presidente, em reuniões com o RH já dizia que estava muito feliz e que gostava do meu trabalho, mas que não me via voltando a Saint Louis, nos Estados Unidos, sede da companhia, estritamente por razões pessoais. E entendia que pelo fato da companhia ser baseada nessa região, sabia que teria que voltar para lá.
Quando encerrei meu trabalho no Brasil, principalmente com relação a transformação do time, que estava bem encaminhado com culturas e valores, já tinha desenvolvido um sucessor. O profissional estava preparado e a organização reconhecia isso. Com isso, me sentia mais confortável em realizar minha saída. Meu plano era fazer uma sucessão ordenada para o sucessor apontado por mim, já que nos últimos 20 anos, isto não havia ocorrido. Olhando em retrospecto, depois de quase quatro anos, vejo com alegria que isto aconteceu. Uma nova pessoa, aquela que eu havia escolhido, foi nomeada e continuou com o mesmo time formado por mim, mesmo depois de todo esse tempo. Obviamente que fazendo uso de seu próprio aperfeiçoamento e diferenças de estilo!
Me atraía pensar que na companhia havia grande potencial de transformação sobre gestão de pessoas, culturas, processos, etc. Mas, por outro lado, permanecer me parecia negativo. Do ponto de vista pessoal, não me atraía voltar a morar em Saint Louis, já que estaria distante dos meus amigos e da vida que havia estabelecido aqui em São Paulo. A vida pessoal se mostrou mais importante e comecei a atribuir um peso muito importante ao meu bem estar pessoal, mental e espiritual.
Apesar disso, foi uma decisão muito difícil, já que estava na Monsanto há mais de 22 anos e admiro muito a companhia em seus valores! A empresa me permitiu conhecer lugares e pessoas que eu jamais conheceria de outra forma.
Confesso que sair da companhia foi um salto no escuro, já que não me via procurando outro trabalho enquanto estivesse na Monsanto, pois achava que isso não faria jus a tudo que eu tinha feito lá. O que torna as coisas mais difíceis, já que normalmente se sai de um lugar para ir para outro. Não falo somente do financeiro, mas dos aspectos emocionais. Sua identidade fica muito amarrada quando se trabalha tantos anos na mesma empresa. A companhia vira parte de quem se é.
Mesmo mudando de jobs, trabalhos e países, essas atividades sempre estavam atreladas a mesma cultura dentro da mesma empresa. E aí me perguntava: “Será que se eu for para outra cultura, darei certo? Quanto do meu sucesso é dependente daquela cultura? Vou me adaptar a um novo lugar?”.
Outro aspecto interessante no período pós-decisão é que me dei conta que quando se é um médico, arquiteto, ou artista, por exemplo, se carrega a possibilidade de exercer seu ofício. O ofício não depende de nada além de si mesmo. Mas, quando se é um executivo, você só existe em função de sua organização. Essa ideia me fez refletir muito durante o período sabático, pois se perde um pouco da própria autonomia ao exercer um ofício sem uma estrutura ao redor.
Ainda destaco que a decisão passou por vários estágios, como o desapego e luto. Um dos estágios foi o da conversa com o chefe, outro sendo o da decisão definitiva de que eu sairia, outro em que emiti o comunicado global, outro com a reunião com o time… Foram vários pequenos momentos que me aproximaram dessa nova realidade.
Me lembro com clareza do meu último dia no escritório. Foi muito emocional e chorei bastante. Me recordo que, em determinado momento, não conseguia nem ao menos olhar para as pessoas. Mas, por ter sido um processo tão refletido, pensado e sentido, não senti falta de uma série de coisas. Por exemplo, muitos dizem que alguns funcionários vão ao escritório diariamente pois não conseguem ficar em casa, precisam daquela rotina… Não senti falta dessas coisas. Foi um processo difícil que se tornou um grande aprendizado.
Como foi o período sabático?
A.D. Esse momento não foi tão bem planejado. Decidi realizar alguns projetos: comprar um apartamento e reformá-lo, viajar com meus filhos, treinar para algumas provas de triatlon e de corrida, mas ainda sobrava tempo. Comecei a preencher esse tempo com coisas que eu gostava de fazer, como ler, ficar com meus filhos e viajar. Não fiz nada que contou com um grande desenvolvimento… Até cheguei a pensar que faria um mestrado ou doutorado, um retiro na Índia, mas acabei não fazendo nada disso (risos). Tinha uma série de compromissos com meus filhos e uma série de coisas das quais não poderia me distanciar por um tempo mais intenso. E usei esse período para refletir sobre meu futuro: se passaria a ser consultor, estudante, professor ou voltar a ser executivo. Depois de cerca de alguns meses, ficou claro para mim que meu desejo era voltar a ser executivo. Era isso que eu gostava de fazer.
O que te motiva como executivo? Qual sua maior paixão ao seguir essa profissão?
A.D. Minha grande paixão é fazer transformações através das pessoas e é isso que me faz acordar todos os dias. Não mudar as pessoas, mas transformar a organização com elas, a forma que se trabalha em conjunto.
Tenho a crença de que as pessoas, muitas vezes, não recebem o real alinhamento entre seus talentos, no que efetivamente são boas, com seus propósitos na organização. Quando se tem a oportunidade de ter uma organização ou grupo com pessoas de visão clara e que estão apaixonadas pelo propósito que entregam, acreditam, sentem que estão trabalhando na sua zona de excelência e que realmente combinam seus talentos com o que suas funções demandam, isso cria uma gigante energia que ninguém consegue segurar.
O papel do gestor é criar o alinhamento entre propósito e visão e liberar o potencial das pessoas, colocando-as nos lugares certos. Quando se faz isso, uma energia enorme é liberada! Ninguém quer exercer um papel mediano… Todos querem brilhar. O problema é que algumas organizações não ajudam… Quando se cria um ambiente em que pessoas possam brilhar, por que não alinhar o que traz felicidade com o trabalho? Por que ocorre essa dicotomia? Acredito que as organizações podem funcionar como veículos para a realização pessoal e não simplesmente um local em que se ganha dinheiro.
Como diz a frase, quando se descobre que seu trabalho te apaixona, você não vai mais trabalhar. Você passa a não encarar mais aquilo como trabalho! Quando se constrói um time dessa forma, o resultado é muito poderoso. É perceptível nos olhos das pessoas!
Esse é o princípio fundamental da Corall: liberar potência…
A.D. Exatamente. Quando se libera potência, literalmente se libera energia. Esse é o trabalho do líder, sair da frente, literalmente não atrapalhar, fazer com que a organização funcione sem ele. Meu papel é eliminar meu trabalho (risos), fazer que a organização funcione sem mim. Esse papo de ser insubstituível é conversa fiada. É preciso ter a capacidade de criar um time que funcione sozinho. Mas é difícil chegar lá.
Trabalhando diretamente com transformações e ajudando organizações nesse processo, sabemos que cada executivo presidente tem seu modelo. Você comentou alguns dos seus, como conectar a paixão dos colaboradores, a importância das pessoas certas nos lugares certos e o fato do papel fundamental do CEO é o de não atrapalhar…. Além desses, existem outros elementos que fazem parte da sua agenda de transformação?
A.D. Esses são os principais. Recentemente, conversava com o pessoal do escritório e disse que quando se consegue colocar as pessoas certas nos lugares certos é possível entender os valores da organização.
Mas, como criar algo em uma organização que vai perdurar sua saída? O que mantém tudo isso junto, mesmo com a saída de um colaborador e a chegada de um novo, por exemplo, é pautado pelos valores já estabelecidos pela empresa. Então, é uma cola que une e filtra ao mesmo tempo. Eu acredito no estabelecimento dos valores do que é esperado e o que não é aceito em uma organização, mas também em outro elemento muito importante: o da forma como se trabalha junto. Não quer dizer que exista certo e errado no geral, e sim o que faz e o que não faz parte de uma cultura. Essa cola, fornecida pelos valores, é um elemento muito importante e que será desenvolvido aos poucos em conjunto com o time.
Outro papel importante do CEO, além do de não atrapalhar, é o de garantir alinhamento com os donos. Toda empresa tem donos. Seja pública, tendo os acionistas assumindo tal papel, seja uma empresa com um, dois ou três proprietários. É preciso ser capaz de traduzir para essas pessoas o que está sendo feito na organização e do que ela precisa. Não é proteger ou isolar a organização, pois ao fazer isso, se infantiliza a empresa, mas garantir que a mesma seja propriamente representada.
“Minha grande paixão é fazer transformações através das pessoas e é isso que me faz acordar todos os dias. Não mudar as pessoas, mas transformar a organização com elas, a forma que se trabalha em conjunto.”
Especificamente sobre seu mercado de atuação, o de sementes, o que te inspira e atrai?
A.D. Entrei nesse mercado por acaso. A Monsanto tinha esse negócio e ao longo de sua transformação durante os anos 90, acabou tendo esse como o principal negócio de sua companhia. No futuro, foi o que a companhia se tornou, uma empresa de tecnologia dentro de agricultura. Aprendi a admirar esse negócio, já que tinha vindo de outras áreas. Foi muito interessante, pois houve todo um processo sobre a definição da missão da companhia. Acredito que foi durante essa época a questão de ajudar a mitigar a fome e alimentar o planeta ficou mais clara. Esse tema me inspira e eu poderia falar por horas a respeito, mas o ponto fundamental é que temos 7 bilhões de pessoas no planeta — número que vai subir para 9 ou 10 em até 30 anos — e simplesmente não se tem área plantada suficiente para alimentar tanta gente! Independente de nossa opinião, as economias em desenvolvimento quando ficam mais afluentes passam a consumir mais proteína animal. Podemos debater se deveríamos virar vegetarianos ou não, mas o fato é que existe um aumento na ingestão de proteína animal e um mais que proporcional aumento na demanda por proteína vegetal.
O mais dramático é que hoje em dia, apesar do crescimento tecnológico, em vez de se ter menos gente passando fome no mundo, temos mais. Podemos debater sobre eficiência na distribuição de alimentos, melhoria nos transportes, redução de perdas e desperdícios e é verdade que todos estes aspectos podem melhorar. Mas o ponto em que todos concordamos é que ninguém quer derrubar florestas para plantar mais soja e milho. Então a única solução é produzir mais e conservar cada vez mais. Essa equação de produzir mais com menos, é aumentar a produtividade, e para isso é preciso melhorar a tecnologia. E grande parte da tecnologia nesse negócio está dentro da semente. A semente contém todo o potencial produtivo. Melhorar as sementes é ajudar a produzir mais com menos.
Quando se trabalha nesse mercado, se está impactando diretamente a capacidade que como a raça humana se alimenta. O outro lado dessa equação é que grande parte das populações mais pobres do mundo são de agricultores, ainda formando grande parte do contingente das pessoas mais miseráveis do planeta. Aqui no Brasil, em larga medida, isso pode ser observado em algumas regiões como parte do Nordeste. Quando se olha para o Sudeste Asiático, Índia e outras regiões, por exemplo, existem pequenos agricultores que literalmente dependem do que tiram da terra para poder pagar escola dos filhos. E quando se consegue levar a esse agricultor uma tecnologia que melhore sua vida, isso tem um impacto social gigantesco. Trabalhar na agricultura resulta em dois aspectos: ajuda a mitigar um problema de alimentação/ambiente e conseguir melhorar a qualidade de vida de um grande contingente de agricultores.
Acredito que não existe uma dicotomia entre ambiente e agricultores. O que se tem é confusão e falta de informação. Existe uma possibilidade muito clara de se produzir cada vez mais, gerando uma agricultura cada vez mais eficiente, que também beneficie pequenos e médios agricultores, e ao mesmo tempo preservar o meio ambiente. Não são coisas opostas. O que existe é falta de informação, confusão e interesses muitas vezes desalinhados.
Destacando a falta de informação, fale um pouco sobre as principais verdades e mitos sobre as sementes geneticamente modificadas, tópico geralmente controverso?
A.D. Qualifico o assunto na questão da desinformação, que mencionei anteriormente. Dei palestras em universidades a respeito. O problema é que existe muita distância entre o campo e a cidade, que gera um desconhecimento pela maior parte de nós. A grande maioria das pessoas não sabe de onde vem a comida que se encontra em seu prato. Existem crianças que pensam que o leite vem da caixinha e não da vaca (risos). As pessoas têm profundo desconhecimento. Durante essas palestras, explicando a agricultura, dizia que na biotecnologia, por exemplo, colocávamos dentro de uma planta de milho uma tecnologia que elimina o inseto quando ele ataca a folha, reduzindo a necessidade de inseticidas em determinada cultura. Com isso, me perguntaram: “Para que se aplica o inseticida? É só não usá-lo”. E respondi: “Se o inseticida não for aplicado, o agricultor não vai colher, pois o inseto comerá toda a cultura”. Isso comprova que existe um distanciamento tão grande que a pessoa da cidade não sabe sobre o método de produção do campo. Na mesma ocasião foi sugerido que uma possível solução seria plantar, digamos, 35 milhões de hectares de soja organicamente. Mas a conta não fecha. Você sabe quantas vacas seriam usadas para fazer o esterco necessário para adubar tanta soja? (risos). Existe muita desinformação.
Também existe a mistificação. Alguns dizem que o Brasil inteiro está sendo desmatado para a plantação de soja. Não é bem assim… Aprendemos nas aulas de Geografia que o Brasil possui 850 milhões de hectares. O Brasil possui hoje área plantada de 50 a 60 milhões de hectares. Então, é simplesmente errado falar que se está desmatando o Brasil inteiro para plantar soja. E existe uma romantização do modo de agricultura de 60 a 70 anos atrás, do uso da enxada…
O primeiro grande elemento a ser desmistificado é o funcionamento da agricultura e porque ela é o que é. Ao longo de muitos anos no Brasil, e em outros países, houve uma demonização do assunto. Sempre falo que o agricultor é visto como latifundiário, desmatador, poluidor e ainda por cima ouve música ruim… Esta não é nem de longe a realidade do campo hoje. Existe essa distância grande causada pelo desentendimento. E quando se fala de biotecnologia, ela é inserida nesse contexto.
O último ponto, que acredito ser nosso mea culpa, é relacionado a uma comunicação não adequada de grande parte da indústria. Se pensava que pelo fato dos benefícios serem comprovados cientificamente, só seria necessário comunicar o agricultor e que o consumidor nunca ficaria sabendo do assunto. Houve uma desatenção ao potencial impacto nesse consumidor final. Perdemos a batalha da comunicação. Quando se mistura tudo isso, fica muito difícil!
Essa resistência, que gerou até protestos, relacionada a esse tipo de semente geneticamente modificada, é atribuída, em sua opinião, basicamente a desinformação ou existem outros fatores?
A.D. Sou um otimista, então atribuo em grande medida a desinformação. Mas, claro, existe quem se aproveita dessa desinformação para se posicionar como defensor de uma causa. Existem pessoas sem formação científica e que falam sobre biotecnologia, misturando uma série de coisas, mas cheias de opinião. Também existem aqueles que buscam a glória nesse meio. Mas, essas atitudes só prosperam porque existe o ambiente de desinformação. Para mim, o que a indústria do agrobusiness precisa fazer é uma comunicação mais efetiva com a cidade. Atualmente, a agricultura representa cerca de 30% do PIB brasileiro, pela maior parte das exportações e por uma grande parte dos empregos no país.
Você que já viveu em diferentes locais do mundo percebe alguma peculiaridade da sociedade brasileira de forma geral em relação ao tema ou todos possuem pensamento semelhante?
A.D. É muito semelhante. Quando falo Brasil, me refiro as costas e capitais. Em Goiânia, Mato Grosso e interior do Paraná, por exemplo, existem posições completamente distintas. Mas, o problema é que existem formadores de opinião e pessoas com mais influência que acabam tendo mais voz ao falar sobre esse assunto. É uma longa batalha, mas acho que essa percepção já começa a mudar.
Imagino que esse tema influenciou muito a gestão da sua carreira em muitos momentos. Houve algum aprendizado especial na trajetória?
A.D. O maior aprendizado é a transparência. Me lembro que quando voltava ao Brasil, um dos colegas de turma que se formou comigo, se deu conta que eu era presidente da Monsanto no país e mandou uma mensagem falando: “Que legal! Tomara que agora você consiga convencê-los a parar com essa história de transgênico”. Agradeci, disse que entendia a preocupação, mas que não mudaríamos isso. Porém, estava disposto a conversar sobre o assunto. Esse colega tem três livros publicados, possui doutorado e atua como consultor da ONU… Isto mostra o quanto ainda há que se fazer… (risos). Uma história parecida é de um outro amigo, há cerca de quatro anos, que disse que os transgênicos eram os responsáveis pela seca na Argentina. É um pouco difícil dizer que isso acontece, né?
Essas pessoas são formadoras de opinião bem respeitadas… Quando falam coisas assim muitos vão acreditar. É que nem o que acontece hoje em redes sociais em que as mensagens são replicadas sem ter seu conteúdo lido, baseando-se somente em uma manchete. Existe uma superficialidade na informação muito grande. Mas, acho que a melhor coisa que fiz foi relacionada ao diálogo, dizendo que respeitava as opiniões distintas e procurando entender mais por meio de conversas.
Quando você se abre ao diálogo, muito da barreira criada é eliminada. A transparência, o acesso e a humildade na comunicação são muito importantes. Dizer que se respeita a opinião do outro, mesmo não compartilhando-a. Não dizer que alguém está certo ou errado e mudar o tom da conversa. E isso se aplica, não somente a essa situação, mas a qualquer outro embate ou diferença de opinião dentro de uma organização.
“Pensar e sentir sobre algo são coisas distintas. Nós não temos ideia do poder do sentimento, de como as pessoas se sentem com relação a algo. E de como a emoção faz parte da vida e como é poderosa, seja contra ou ao favor.”
Você morou no Oriente, onde a reflexão é mais apreciada… Você percebeu isso nas empresas da região?
A.D. Não percebi isso, pois apesar de locada no Oriente, a empresa em que trabalhava era americana. O que aprendi na região foi ouvir o outro de forma diferente e ganhar paciência, já que a língua forçava isso. É preciso ter a paciência de entender o que o outro está falando e não julgá-lo de nosso ponto de vista cultural. Acredito que isso pode ser visto em empresas multinacionais, que contam com poucos executivos asiáticos.
Você falou da importância do bem estar físico, mental, emocional, espiritual. Sabemos que você é um adepto de esportes de resistência como triátlon e corrida. Desde quando você se tornou adepto a esse tipo de esporte e o que te estimula nessa especialidade? Existe algo que você leva dessas experiências para o mundo corporativo?
A.D. O que me estimula é que não sou bom em nenhum esporte (risos). Nunca joguei futebol ou vôlei bem. Não era bom em nenhuma atividade que envolvia uma bola. Então, resolvi fazer alguma coisa que não dependia disso (risos). E a coisa mais simples de ser feita é colocar um pé em frente ao outro e seguir em frente. Recomecei a me exercitar mais regularmente há cerca de 12 anos. Foi por um combinado de razões, guiada pela necessidade de iniciar uma atividade física quando se chega a certa idade. Me lembro que fiz uma prova de 10 km e gostei da sensação. Então fui estipulando metas e cumprindo-as. Segui para uma prova de 21 km e depois 42km, e assim fui crescendo. Não consigo ir para uma academia para somente me exercitar; preciso perseguir alguma meta, assumir um compromisso público. É a forma como me motivo.
Outro aspecto é o da apreciação de coisas distintas. Por exemplo, recentemente, fui correr na Patagônia, às 11 da noite, sozinho, no escuro, em meio a forte frio. Mas, a experiência de se estar no meio do nada, vendo o amanhecer, na trilha, foi quase espiritual. Também me recordo de correr no Atacama, no alto de uma duna, vendo aquela tremenda paisagem e pensei o quanto era abençoado por estar fazendo aquilo… A oportunidade de viajar, conhecer lugares diferentes, de ter uma experiência fascinante, de fazer bem pra saúde, treinar. E, para mim, a corrida é o momento em que medito. Um momento só meu em que chegam as ideias e reflexões.
Que conselhos você daria ao seu eu recém-formado?
A.D. Essa é a pergunta mais difícil. Não sei se conseguiria seguir o conselho que darei naquela idade, mas acredito que poderia ser menos mecanicista. A gente vem de uma educação que 2 +2 = 4, o que nem sempre é verdade, quando falamos de pessoas. Tive um coach de origem chinesa em Singapura, e ele me indagou: “Você perguntou como eles se sentem sobre o assunto?” Pensar e sentir sobre algo são coisas distintas. Nós não temos ideia do poder do sentimento, de como as pessoas se sentem com relação a algo. E de como a emoção faz parte da vida e como é poderosa, seja contra ou ao favor.
Acredito que saímos da faculdade no mundo da razão. E isso precisa ser temperado, não ignorado, com a atenção aos sentimentos das pessoas. E isso não é ensinado, infelizmente. Hoje aprendo e leio muito mais sobre psicologia e sociologia do que leio sobre negócios. Acho que esses princípios são muito mais interessantes e ajudam muito mais.
Imagine que você tropeçou no Atacama e achou uma lâmpada com um gênio que te concede um pedido no contexto profissional, estritamente relacionado a negócios. Qual seria seu pedido?
A.D. O meu pedido é continuar exercendo meu ofício e causar impacto em organizações. Não sei de qual maneira. Tenho visibilidade nos próximos meses ou anos, mas não sei o que vai acontecer depois. Meu pedido seria simplesmente continuar fazendo isso.