Jorge Nishimura tinha um grande desafio: estava no centro de um grande conflito familiar que poderia colocar em risco a existência da empresa de sua família, o Grupo Jacto. A solução? Reconstruir relações. A estratégia deu certo e hoje a organização possui um dos mais respeitáveis portfólios do Brasil.
Entrevistado pelo blog da Corall, Nishimura, presidente do conselho de administração da Jacto, detalhou ao sócio da consultoria, José Luiz Weiss, os aspectos mais interessantes da sua agenda de transformação, além de oferecer um overview sobre gestão.
Forte em suas convicções acerca da importância do equilíbrio emocional e espiritual e um verdadeiro homem temente a Deus, o executivo confessa o que espera das próximas gerações e reflete sobre valores e sucesso.
Confira os principais trechos da entrevista.
O grupo Jacto é uma companhia de sucesso há quase 70 anos. Fale um pouco do portfólio de negócios e estrutura organizacional da empresa.
J.N. Recentemente a Jacto completou 68 anos. Sua história começou com meu pai que a partir de uma pequena oficina de conserto tomou a decisão de construir manualmente uma máquina para aplicação de defensivos. E, a partir disso, foi crescendo gradativamente. Hoje, a empresa tem uma das mais amplas linhas de pulverizadores do mundo.
Ao longo de nossa existência fomos entrando em outros negócios. A Unipac foi criada para produzir embalagens para produtos agroquímicos e depois acabou entrando no segmento de autopeças. A Jactoclean surgiu para atender o segmento de limpeza produzindo lavadoras de alta pressão, aspiradores e lavadores de piso. A Rodojacto é a transportadora que presta serviços de transporte para as empresas do grupo e terceiros. A Mizumo está focada no mercado de tratamento de água de esgoto. O grupo hoje tem em torno de 3.300 colaboradores, permanecendo como uma empresa 100% familiar.
Nesse contexto bastante complexo e diversificado de negócio, qual seu papel como presidente do conselho do grupo?
J.N. Desde 1998, quando assumi a presidência do conselho e olhando para todo histórico da Jacto, vejo que um dos meus principais papéis foi trabalhar as relações sócio-familiares. Em 1991, tivemos um forte conflito em família e, dentro desse contexto, começamos a tentar reconstruir as relações entre os irmãos. E eu fui escolhido para coordenar o conselho de acionistas. Inicialmente tivemos que elaborar o Acordo de Acionistas. Passamos um longo período com uma consultoria externa, trabalhando para reestabelecer relações que estavam estremecidas. E, olhando para trás, vejo que essa reconstrução da sociedade familiar foi a base fundamental para o desenvolvimento da empresa.
Depois que vencemos essa primeira parte, meu papel seguinte foi na construção da governança. Depois de termos organizado o Conselho de Acionistas e equacionado os principais problemas sócio-familiares, sentíamos necessidade de participar mais das decisões administrativas da empresa. Havíamos consertado o lado sócio-familiar, mas estávamos insatisfeitos com o processo decisório na gestão da empresa. Já não conseguíamos aceitar que as decisões fossem tomadas pelo presidente e ponto final. Esse modelo não funcionava mais e isso nos levou u, ajetória de à busca de uma nova estrutura organizacional. Por conta disso, decidimos criar o conselho de administração. Acabei por me tornar presidente do conselho de administração do grupo, o que é curioso, pois sou o mais novo de cinco irmãos e na nossa cultura, a japonesa, os mais velhos costumam ficar à frente das coisas.
Assim, tomei a postura de trabalhar para que a Jacto fosse uma empresa que utilizasse as melhores práticas de governança corporativa, mesmo essa visão não sendo um requisito de empresas familiares. Assim, contratamos empresas para realizar auditorias independentes, trouxemos conselheiros externos independentes e nos disciplinamos com relação à etiqueta e preparação antecipada dos documentos das reuniões, etc. Amadurecemos bastante.
O passo seguinte foi liderar a profissionalização da organização. Foi um processo feito em várias mãos e bem sucedido. Apesar das dificuldades iniciais podemos afirmar que hoje somos uma empresa familiar com gestão profissionalizada.
Você falou da importância do fortalecimento da família como fundação da empresa. Você acredita que isso acontece em todas as empresas familiares ou é um traço específico de vocês?
J.N. Não acontece em todas. Pesquisas revelam que 90% das empresas acabam fracassando na trajetória de transição entre gerações e menos de 10% delas chegam até sua terceira. E a grande razão disso são os conflitos familiares não resolvidos. Foi identificado que em torno de dois terços dessas companhias fecham por conta desses conflitos. Ao olhar para um retrato assim, nos damos conta que muitas vezes miramos a formiga e deixamos passar o elefante, que é o conflito familiar. E essas brigas e desacordos familiares fazem com que negócios sejam vendidos, quebrem ou sejam divididos.
Olhando para minha trajetória, vejo que meu papel está muito relacionado com criar paz dentro da organização. Deixo claro que paz não é ausência de conflito, como muitos pensam, pois isso não existe. Recentemente, tenho dado uma palestra em que me aprofundo com relação a isso. E criei uma mensagem utilizando as iniciais de Peace, paz em inglês, para exibir esse raciocínio.
O P é relacionado ao propósito e visão a longo prazo, ou seja, o processo de planejamento estratégico. Isso nos possibilitou, ter uma visão da empresa de sete a dez anos.
O E é derivado do equilíbrio emocional e espiritual. Alguns podem pensar que organizações não têm alma e nem espírito, mas é o contrário. Sempre digo que se uma empresa não tem alma e nem espírito, é semelhante a uma pessoa em coma; só está esperando a hora de morrer. E a importância disso é refletida na restauração e fortalecimento das relações familiares que descrevi anteriormente.
O A vem do acordo, uma das primeiras coisas que fizemos para reestabelecer tais relações.
O C é o caráter, pois deve ser claro na organização os valores em que se acredita.
E o E vem da estrutura de governo. Acredito que qualquer empresa deve ter uma governança muito bem estabelecida para estabelecer os fóruns e ambientes certos para discutir cada coisa.
Somando tudo isso e olhando para minha vida, vejo que por meio desse conjunto de coisas consegui contribuir bastante, me envolvendo e liderando as mudanças dentro de nossa organização.
“Quando estamos em uma organização, estamos servindo (…) O líder está muito mais para se sacrificar, servir, carregar o peso sobre seus ombros e trabalhar para que todo o conjunto siga em frente.”
Qual seu sonho para o futuro da empresa?
J.N. Não sei se estarei vivo, mas gostaria que a empresa chegasse aos 100 anos. Não só chegasse, mas chegasse bem. E isso só acontecerá se continuarmos com uma relação sócio-familiar cada vez mais forte. Essa é a base. Também temos colocado em prática áreas, como a de inovação, que está inclusa dentro de nossos valores. Até agora, olhávamos para a inovação sob um ponto de vista de departamento, como de pesquisa e desenvolvimento. Mas, o que buscamos agora é desenvolver o espírito inovador nas próprias pessoas. Esse é um desafio grande, pois as estruturas societárias de hoje destroem o espírito inovador.
Por exemplo, li a respeito de uma empresa dos Estados Unidos que foi contratada pela NASA para desenvolver uma metodologia que encontraria pessoas inovadoras e criativas. Fez sucesso. Depois desse processo, eles resolveram aplicar testes em crianças. Foi observado que o nível de criatividade entre aquelas de 4 a 5 anos era de mais de 90%. Acompanhando-as ao longo do tempo, foi observado que a capacidade delas ia caindo com o passar dos anos. Já dentro de empresas, esse lado inovador tinha desabado para 2%! Isso mostra que o regime criado pela sociedade está matando a criatividade das pessoas. Dentro de nossa organização, trabalhamos para resgatar um pouco desse talento. Para ter gente feliz dentro da empresa é preciso usar a potencialidade existente dentro das pessoas. Assim, elas vão se sentir cada vez mais realizadas!
A empresa vive atualmente a transição da segunda para a terceira geração. Se você tivesse que dar um conselho a essa nova geração da sua família, qual seria?
J.N. Estamos caminhando muito bem para tal transição e já iniciamos esse movimento, já que cinco dos três irmãos da empresa já passaram o bastão para seus filhos. Acho que o que mais faz diferença são os próprios valores. Uma das coisas importantes em uma sociedade é que seus acionistas não pensem que são donos de todo patrimônio e que podem fazer o que quiserem. Lembro-me de uma conversa com meu pai, nos seus 97 anos, em que ele me disse algo muito interessante. Ele falou que não era dono de nada, que não levaria nenhum dinheiro, que nada pertencia a ele, e sim a Deus. Pessoalmente, tenho a mesma crença.
Nossos filhos receberão esse legado e devem entender que esse patrimônio dado a eles deve ser tratado com responsabilidade. Deve ser administrado de forma que quando seus ciclos forem encerrados, eles entreguem algo melhor e maior às gerações futuras. Outro ponto é sabedoria, pois procuro tomar todas as decisões deixando a pista limpa para o futuro, com nada enrolado ou conflitante. Decisões são muito importantes, trazendo reflexos bons ou ruins. Uma das coisas que peço a Deus é a sabedoria para que as decisões tomadas hoje não tragam consequências ruins no futuro. Claro que não somos perfeitos. Se a gente erra, a gente conserta.
Também é importante trabalhar a unidade, dialogar muito, aprender a conversar, e a chegar em consensos. Acho que um dos maiores perigos é ter dentro da empresa a figura de um “super-homem”. Temos que entender que ninguém deve se sobressair dentro do processo, e sim o grupo.
De que você mais se orgulha em sua trajetória? Existem arrependimentos?
J.N. Me sinto feliz por ter chegado aqui com as coisas que construímos como empresa familiar de segunda geração. E fizemos muito bem esse papel. Chegamos muito bem aqui e com uma base ainda melhor para ir em frente. Cometemos erros, mas eles são parte do processo, aprendemos com eles. Se pudesse ir lá para trás, não sei se consertaria alguma coisa. Quem sabe tivesse iniciado os processos de transformação que expliquei anteriormente ainda mais cedo.
Qual conselho você daria para um presidente de conselho que também está implementando mudanças em sua respectiva companhia?
J.N. A Jacto é uma empresa interessante, pois conseguimos conciliar a teoria com a prática. Diria ao presidente que a paz é essencial. Não o elemento em si, mas a construção do mesmo. E construir essa paz demanda muita energia. Diria para não minimizar certos aspectos, especialmente aquelas relacionadas aos lados emocional e espiritual.
Também destacaria que quando estamos em uma organização, estamos servindo. Por mais que a gente seja grande, nosso papel é de que todo o conjunto caminhe bem. Pois, quando não se caminha bem, todos, inclusive quem está na base, acaba sofrendo. Acho que o líder está muito mais para se sacrificar, servir, carregar o peso sobre seus ombros e trabalhar para que todo o conjunto siga em frente.
Em minha sala, tenho um quadro que gosto muito que mostra o momento em que Jesus Cristo lavou os pés de seus discípulos. Acredito que isso representa o papel de um verdadeiro líder. Alguém que seja servidor e busque ajudar os outros.
“Um dos maiores perigos é ter dentro da empresa a figura de um “super-homem”. Temos que entender que ninguém deve se sobressair dentro do processo, e sim o grupo.”
Se você pudesse dar um conselho para um jovem recém-saído da universidade, o que diria a ele?
J.N. A vida é um processo e uma tremenda escola. Observo no jovem de hoje uma ansiedade de subir muito rápido e vejo isso como um fator prejudicial, pois não se pode assumir determinadas posições sem ter tido verdadeira experiência. Diria para desenvolver sua carreira com consistência, ser diligente e paciente, porque o crescimento sempre virá assim. Tente dar o melhor de si em cada fase de sua vida e, à medida que você corresponde cada uma dessas fases, as pessoas te enxergarão.
Diria que o que mais falta em nossa sociedade são bons líderes. E, recomendaria aos jovens, começando por qualquer lugar, até dos mais simples, que precisamos corresponder às expectativas e que assim seremos conduzidos a próximos degraus, fazendo nosso melhor e com muito amor. Tudo tem seu tempo certo; não adianta querer amadurecer as coisas fora de hora.
Comecei a coordenar o conselho aos 39 anos e só a partir desse ponto minha carreira passou a, de fato, se desenvolver como eu desejava. Antes, eu havia tentando várias outras coisas e só encontrei meu trilho depois de quase 15 anos de formado. E sempre digo que se tivesse assumido esse posto antes, teria dado tudo errado (risos). Então, paciência e faça o melhor que pode em cada fase de sua vida. Isso que vai te fazer subir e não sua vontade de ir para cima!