Recentemente, estive em um Seminário de Aikido organizado pela FEPAI, em celebração aos 55 anos de Aikido do Shihan (Mestre) Makoto Nishida.
Foi um evento sensacional, com centenas de praticantes treinando e trocando.
Mas fiquei profundamente impactado ao constatar que ainda ontem, dois dias após o evento, me sentia cheio de energia. Meu corpo não sentia cansaço das inúmeras horas seguidas de prática, e minha mente vibrava um número imenso de emoções e pensamentos. Me sentia ativo, vivo e cheio de disposição.
Os benefícios do esporte são conhecidos por todos e sabem que sou um entusiasta da atividade física. Mas quero chamar a atenção para um tema que mereceria de nós uma atenção maior e mais cuidados. O contato físico.
Há alguns anos estava em Israel, passando alguns dias em uma cidade de praia. Todos os dias, após o exercício matinal, eu ia à praia no intuito de dar um mergulho. Invariavelmente bandeirolas sinalizam estar proibida a entrada devido às condições do mar.
Após alguns dias, resolvi entrar na água assim mesmo. Desde que tenho memórias da vida adoro o mar. Sou instrutor de mergulho, socorrista e navegador. Achei que meu julgamento sobre a condição do mar era suficiente pra arriscar um rápido mergulho no raso. Ainda assim, observei o mar por algum tempo e entrei cuidadosamente. Tudo transcorreu sem problemas, e o mar realmente não estava forte. O Salva Vidas veio correndo, mais bravo por ter sido obrigado a levantar de sua cadeira do que pelo meu ato transgressor. Me deu uma bronca, que eu escutei com resiliência e aceitação. Minha falta de reação o deixou desnorteado, ao que ele completou. “Estou fazendo o meu trabalho”. Ao que eu respondi: Não. Você está agindo com preguiça e mediocridade e não está fazendo o seu trabalho. Cuide de quem entra na água, ao invés de apenas impedir que aproveitem a praia para que você possa ficar lendo seu livro na sombra.
Creio que algo parecido vem acontecendo no tangente ao contato físico entre as pessoas.
Abusos, muitos deles estruturais e culturais, geraram e ainda geram situações horríveis. Mulheres, jovens e minorias, principalmente, sentem-se muitas vezes abusadas por um contato físico inadequado. Crianças são violadas em seus espaços psíquicos e físicos por abusos de diferente intensidade. Buscando cuidar disso, o contato físico foi se tornando inadequado e subversivo. Principalmente no ambiente de trabalho. Com isso, cada vez mais começou a ser percebido como inaceitável, e os limites para ele foram sendo reduzidos. Cuidar disso e tirar este tema das sombras é de absoluta importância! Não acho isto pouco importante e muito menos exagerado. Meu ponto diz respeito a como temos feito isso. E é um convite a pensarmos como podemos evoluir nisso, ao invés de nos paralisarmos.
Pessoas sentem-se agredidas e abusadas com mais facilidade, pois aprendem que o toque físico em si é agressivo e inadequado. Mesmo o afeto passa a ser confundido com a agressão. Os efeitos disso são terríveis. Temos perdido a subjetividade e a percepção como elemento de julgamento de cada situação e de suas singularidades. O contato físico nos ambientes de trabalho vem migrando de abusivos para escassos. Isto, ainda agravado pela preponderância do trabalho online.
O contato físico é importante para a saúde física e emocional. Gera hormônios específicos que reduzem o stress, acalmam e são uma das mais atávicas formas de acolhimento e demonstração de afeto entre mamíferos.
A demonização do contato físico impede, sim, desvios e abusos. Mas também impede que possamos exercer nossas relações de forma plena, e gera também consequências sérias para nossa saúde e para os padrões relacionais em nossa sociedade. Por vezes, também a falta deste contato pode ser agressiva e gerar danos emocionais importantes.
Impedir que entremos na água é uma forma empobrecedora de gerenciar a relação com os riscos inerentes ao mar, pois entrar no mar traz benefícios e sensações maravilhosos e importantes.
Impedir o contato físico e classificá-lo como subversivo por princípio também é uma forma pobre de lidar com o tema. Numa sociedade que vem sofrendo de maneira impressionante com o estresse, as depressões, burnouts e uma série de outros quadros emocionais, principalmente no ambiente de trabalho, precisa repensar a maneira como cuida das relações, dos direitos e dos limites. A generalização funciona bem para processos mecânicos, mas o orgânico é mais complexo e demanda singularidade e flexibilidade. Impedir o toque não é cuidar. É proibir para não precisar cuidar.
Após dois dias de Aikido, tocando, segurando e tendo contato físico com dezenas de pessoas, me senti energizado e curado. Cuidado por uns, descuidado por outros, mas sempre aprendendo e crescendo com estes toques. Toquei peles e energias distintas, sempre com respeito a partir de combinados e lógicas compartilhadas, num ambiente onde o toque não é demonizado, mas o canal central da construção das relações. E se for a um encontro desses e observar as pessoas ao saírem, verá que o toque em si nada tem de nocivo. É preciso, sim, cuidar, monitorar e sustentar limites. Dar espaço a que abusos sejam impedidos e até punidos. Mas a eliminação do toque nas relações também está nos adoecendo.
Me sinto saudoso e ainda celebrando no meu corpo e no meu campo emocional os inúmeros contatos que tive e relações que aproveitei quase que exclusivamente pelo toque e pelo contato físico.
O tema não é simples, como a vida também não é. Mas precisamos relembrar nossa condição orgânica, animal e humana para pensar o mundo do trabalho. Acredito que precisamos cuidar do toque ao invés de impedi-lo.
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