Até pouco tempo atrás, nós falávamos sobre crise como “a crise”, ou seja, uma única grande crise. Parece que não faz mais sentido, não é?
A crise tem vindo como crises.
As policrises ou as situações muito complexas são a expressão mais intensa de um fenômeno muito simples, mas que escolhemos ignorar por muito tempo: a interdependência e a incerteza.
Por séculos, nos apegamos a ideia de que poderíamos separar coisas inseparáveis. Que poderíamos entender uma árvore sem conhecer o solo, os microorganismos, seu bioma e, principalmente, as relações entre eles. Que poderíamos entender um coração humano, sem conhecer as emoções, a nutrição e o contexto social em que a pessoa vive.
As policrises nos convidam a lidar com a sobreposição de contextos e suas interdependências, nos convidam a sair do reducionismo. Como diz a Nora Bateson, o contrário de complexidade não é simplicidade, é reducionismo.
Reducionismo é como a gente aprendeu a lidar com os grandes problemas: isolar variáveis, separar em partes, aprofundar o estudo da parte e depois juntar as coisas como peças de lego.
Não há nenhum problema com o reducionismo em si, o problema é quando escolhemos aplicá-lo a toda e qualquer situação.
Como diz a anedota do meu sócio Márcio, se você tem uma moto com problema, você pode desmontá-la todinha, olhar cada parte, lubrificar e montar tudo de novo, ligá-la e provavelmente ela vai ficar muito melhor do que estava antes. Mas, experimenta fazer isso com seu cachorro…
As organizações são um ser misto. Quando a crise é de natureza mecânica, o reducionismo é o melhor caminho, aliás, nem chamamos de crise, chamamos de problema. Mas, quando o problema surge no que é vivo, nem chamamos de problema, chamamos de crise.
Para lidarmos com as policrises, vou usar uma outra ideia da Nora Bateson: numa situação muito complexa, adicionamos ainda mais complexidade para aprender e encontrar um caminho simples.
Uma das maneiras de aplicá-la é sobrepondo contextos. Se há uma crise no comercial da empresa, comece convidando pessoas de diferentes áreas para conversar, convidando-as a trazerem como aquilo se manifesta e impacta no contexto delas.
Se há uma crise de liderança, olhe também como está a cultura, a estratégia, as emoções, as interações com fornecedores. Se há crise financeira, olhe a saúde, a tecnologia, a política, a espiritualidade.
Quando a gente sobrepõe esses diferentes contextos, apenas convidando representantes para dialogar, começa a emergir um fenômeno incrível que é passar a ver coisas que se vêem só na sobreposição e não estão presentes nas partes. São as coisas entre, as informações das interações, ali está o caminho de ouro para as soluções simples.
O efeito Moiré representa isso lindamente: quando você sobrepõe duas imagens, passa a enxergar uma terceira. Ela não está presente em nenhuma das duas, quando isoladas, mas sobrepostas é tudo o que se vê.
E é isso que a gente precisa ver.