O que aconteceria no mundo, no ano que vem, se todas as empresas executassem perfeitamente seus planos e todas as metas fossem atingidas? Confesso que essa pergunta sempre vinha a minha mente (e a resposta intuitiva não era nada boa) logo depois que acabava o “momento mágico” da gestão.
Chamo de momento mágico, e tenho certeza que você já sentiu na pele esse imenso prazer, aquele momento único e raro onde a visão parece clara, as previsões parecem se materializar no horizonte, as ideias parecem perfeitamente transferidas do mundo transcendental para o mundo material, todas as variáveis parecem mapeadas e sob controle, até as pessoas parecem sob controle… ops… as pessoas parecem engajadas, o futuro parece perfeitamente mapeado no presente, enfim, aquele momento em que você olha nos olhos de seus colegas e eles lhe respondem com o mesmo olhar poderoso e todos concordam: “temos um bom plano”.
Esse momento mágico pode até ser estendido por um tempo extra, quando o plano é transformado em metas claras e específicas, perfeitamente desdobradas e acompanhadas de planos de ação com vários “Ws” e alguns “Hs”, tudo perfeita e lindamente registrado em sistemas que geram lindos gráficos e tabelas.
Mas, o que há de errado com os planos ou com o planejamento?
Com a metodologia em si, nada, acredito eu.
Acredito que, procurando exercer da melhor maneira o nosso serviço de gestão, corremos o risco de alimentar um vício insaciável: o controle. E aí, o planejamento cai como uma luva para acabar com nossa crise de abstinência. O usamos a torto e a direito, o louvamos como um deus imutável e soberano.
No clássico livro “Innovation & Entrepreneurship”, de 1985, Peter Drucker já colocava o planejamento como um tópico de seu capítulo de conclusão, mas destacado na parte dedicada ao que não funcionaria em uma sociedade empreendedora: “Planejamento é incompatível com inovação e empreendedorismo” (em tradução livre).
Nossa tentativa de nivelar e achatar todas essa complexidade que temos que entender e lidar diariamente, aliás, essa é a origem da palavra plano (do latim planus, que significa achatado, nivelado) acaba nos tornando ainda mais incapazes de empreender.
Os desafios que temos que lidar hoje exigem de nós mudanças disruptivas. Os desafios desse tipo são classificados por Otto Scharmer em seu livro Teoria U como de Complexidade Emergente e possuem normalmente três características:
1. A solução para o problema é desconhecida
2. A declaração do problema propriamente dito ainda está em aberto
3. Não está claro quem são os principais stakeholders
Acredito que, como eu, você esteja diante de desafios que possuem uma ou todas as três características, ou seja, eu e você já percebemos há muito tempo que, para lidar com eles e empreender temos que lidar com as situações à medida em que elas acontecem, já que não é possível fazer um prognóstico do futuro com base nas tendências do passado.
Agora, por que insistimos em nosso vício? Por que tanta energia investida nos ciclos de planejamento que caem por terra meses ou dias depois de finalizados?
O próprio Otto Scharmer (no mesmo livro citado anteriormente) propõe uma nova abordagem, que se baseia no:
- Sentir: uma aguçada visão interna, percepção que começa a tomar forma quando começamos a perceber e sentir o campo inteiro (analogia que o autor faz com o campo da agricultura, um sistema vivo complexo, como o campo social). É acompanhado de um aumento de energia e um deslocamento para um “lugar mais profundo”.
- Presencing: estado que experimentamos quando abrimos nossa mente, nosso coração, nossas intenções ou vontades e podemos, como resultado, examinar as coisas na fonte. Permite nos conectar e nos mover com as novas realidades emergentes e as rápidas mudanças que não podem ser tratadas pelas reflexões sobre as experiências do passado.
- Prototipar: explorar o futuro mediante ao fazer e estruturar-se sobre a integração prática de cabeça, coração e mãos. Ele cria muito rapidamente resultados práticos que podem então gerar feedback de todos os principais stakeholders do sistema em questão.
Parece um pouco teórico ou complexo?
Dois exemplos, em áreas de atuação completamente distintas, podem nos inspirar a dar os primeiros passos.
O primeiro deles, bem focado em empreendedorismo, é o de Ernesto Sirolli. Ele e sua organização já contribuíram para a criação de mais de 40 mil negócios. Sem possuírem nenhum escritório ou estrutura formal, eles estão presentes nos cafés e bares, conversando com as pessoas de uma comunidade, exercitando o sentir, praticando o presencing e articulando redes de conexão para prototipar novas ideias. Como bom italiano, Sirolli resume tudo em um frase:
“Eu faço uma coisa muito, muito difícil. Eu fico quieto e os escuto.”
Aliás, essa frase é o tema da palestra que ele fez no TED e que eu faço o convite para assistir na íntegra, clicando aqui.
Outro exemplo inspirador, agora na área das artes, é a performance de Marina Abramovic “The artist is present”, onde ela posiciona duas cadeiras, uma de frente para outra, ela sentada em uma e qualquer pessoa do público sentada em outra. Ali, frente a frente, olhos nos olhos, a artista e o público dialogam por alguns minutos, sem dizerem uma palavra sequer. As reações físicas e emocionais deixam claro que o diálogo acontece e que ambos estão experimentando o sentir e o presencing, prototipando uma nova forma de diálogo. Veja aqui o trailer do documentário que a HBO fez sobre esse trabalho.
Se parece muito difícil remar contra a maré, comece pequeno, seguindo o exemplo de como Sirolli começou, um a um, ou experimente desenvolver com seus clientes ou equipe uma relação “the artist is present”.
Alessandro Gruber é sócio e consultor da Corall