Daqui a pouco, teremos o lançamento nos cinemas de mais um filme da saga Star Wars. As lojas já estão cheias de produtos da marca. Este é um dos grandes sucessos do cinema. E atribuo grande parte deste sucesso à sua estrutura narrativa.
Você pode aproveitar o lançamento e fazer a sua próxima sessão de coaching ou terapia no cinema, deixar de lado o livro sobre liderança ou análises macroeconômicas para ver Star Wars.
E por que este tema é tão relevante para líderes e organizações? Porque fala da essência do movimento da liderança. Eu não quero escrever sobre os detalhes do filme, porque imagino que você já o conheça bem. Quero nesta publicação falar sobre a ideia que está por trás do filme.
A série está baseada em um profundo conhecimento de mitologia. Ela é a forma de pensar a ciência arcaica por excelência. Como reflexão é uma fenomenologia sobre a vida, o viver e seu propósito. Nas palavras de Roberto Calasso, em um belíssimo livro sobre as núpcias de Cadmo e Harmonia, o mito é aquilo que nunca aconteceu, mas se repete a todo momento. George Lucas, idealizador e produtor da série, buscou em Joseph Campbell todas as referências para os filmes. A estrutura utilizada é o padrão arquetípico que permeia todos os mitos. Joseph Campbell chamou a este padrão de “A Jornada do Herói”.
A Jornada do Herói nos fala sobre as diferentes etapas e desafios pelos quais todos nós — querendo ou não, gostando ou não -, passaremos ao longo da vida.
A Jornada do Herói nos fala sobre as diferentes etapas e desafios pelos quais todos nós — querendo ou não, gostando ou não -, passaremos ao longo da vida. Na sua descrição mais completa, ele identificou 17 etapas. Mas, de forma sintetizada, podemos pensar em três grandes movimentos.
O primeiro é a vida na aldeia, aqui representada como a identificação com um determinado universo psíquico e simbólico, que pode ser a nossa família, cultura e organização. Nós nos esforçamos para pertencer e compreender estes códigos inconscientes que nos influenciam. Mas, naturalmente, em algum momento em função do nosso crescimento, vamos começar a questionar e experimentar uma descoincidência destes valores e crenças. Este é o início de uma crise que tem o propósito de nos afastar deste universo simbólico e nos levar em direção a outros valores, códigos e crenças. Literal e simbolicamente para outros mundos e realidades. E quando deixamos de fazer parte, então começa a etapa do exílio. O local onde encontramos novos mestres e passamos por alguma forma de iniciação. A iniciação é o processo de redescobrir e integrar talentos que foram excluídos na vida da aldeia ou não tiveram espaço suficiente para despertar naquele contexto. Depois da iniciação vem o caminho do retorno. É o momento em que o herói transformado volta para compartilhar na aldeia os seus aprendizados.
As sociedades arcaicas construíram estruturas sociais e psicológicas sofisticadas para nos ajudar, tanto no despertar e integração dos talentos, quanto lidar com as dores e angústias inerentes a este crescimento. A nossa sociedade, por outro lado, perdeu todo o seu espaço dedicado à transformação. No lugar da transformação temos diferentes formas de consumismo, inclusive espiritual e profissional.
A nossa sociedade perdeu todo o seu espaço dedicado à transformação. No lugar da transformação temos diferentes formas de consumismo, inclusive espiritual e profissional.
Na Grécia, este projeto social educativo ficou conhecido como Paidéia e se fundava na construção de uma consciência ética, onde qualquer ser humano tem o direito de nascer, viver e morrer com dignidade e honra.
Na perspectiva mítica o humano é concebido a partir da sua potência, ou seja, dos seus talentos. Estes talentos são presentes que os Deuses ofereceram aos seres humanos para que possam, ao longo de sua jornada de vida, transmutar o chumbo em ouro nas suas almas e conquistar a imortalidade assim tornando-se semelhantes aos Deuses, isto é, éticos e criadores. Estes talentos são as dádivas que os Deuses oferecem para nos libertar da barbárie e da opressão. Eles, na verdade, devem ser reconhecidos, acolhidos e manifestados no mundo a serviço da vida e da criação.
Nossa cultura individualista e centrada no ego, ingenuamente, acredita que os talentos são “propriedades” do indivíduo e servem para o sucesso na sua carreira profissional. Desta maneira, se você fizer um bom teste psicológico ele é capaz de mapear seus talentos. E uma boa sessão de feedback vai ajudar a identificar os pontos positivos e as suas deficiências e gaps. E a conclusão “natural” é que se você identificar bem estas debilidades e desenvolvê-las adequadamente — muitas vezes com a ajuda de um coaching, você vai ficar muito melhor e tudo de bom vai acontecer na sua vida e carreira.
Nesta perspectiva da nossa moderna psicologia, a realização do talento passa a ser uma busca em direção a um ideal de correção e perfeição. Chamo este processo de adestramento. Nas organizações, correndo o risco de fazer uma generalização injusta, é chamado de avaliação de performance. É um modelo de expiação e eliminação do imperfeito. Estas formas de pensar sempre terminam em opressão e mais alienação.
Para o pensamento arcaico o despertar dos talentos acontece nas crises. Pois não é você que “busca” o talento. É a Vida que vem te pegar. É mais um fenômeno de possessão. Você fica tomado, possuído por uma inquietação que teima em não ir embora.
Todavia para o pensamento arcaico o despertar dos talentos acontece nas crises. Pois não é você que “busca” o talento. É a Vida que vem te pegar. É mais um fenômeno de possessão. Você fica tomado, possuído por uma inquietação que teima em não ir embora. Por isso que para o despertar o movimento essencial na alma não é uma busca de algo que falta, mas uma forma de entrega ao que sempre existiu em você.
Este processo de crescimento ocorre nas relações. Afinal você só pode crescer junto com alguém. Por isso, é essencial ser capaz de ficar vulnerável tanto para o “sintoma” que vem te pegar, quanto para o outro em crise. Não existe a possibilidade de “autodesenvolvimento”, como uma ideia de que eu me desenvolvo sozinho.
O personagem Luke Skywalker é cada um de nós. Carrega talentos incríveis mas precisa verdadeiramente educar seu potencial. Encontra vários mestres que vão ajudá-lo a integrar a Força. Mestres que vão ajudá-lo a encarar os desafios como forma de liberar seu potencial e ajudar a encontrar uma outra forma de manifestar a Força e construir novas dinâmicas que permitam um melhor desenvolvimento do ser humano. Um verdadeiro Jedi!
Ao mesmo tempo somos bons Yodas. Temos a capacidade de abençoar o desenvolvimento das pessoas, transformar as organizações e os ambientes de trabalho em verdadeiros “dojos” que ajudem o despertar de nossas forças, talentos e vocações. São elas que nos fazem íntegros, éticos e criadores. E não um processo moral de controle e punição.
A Força sempre está conosco. Mas ela espera o nosso sim!
Artur Tacla é sócio-consultor Corall, conselheiroe escreve para o blog Gestão Fora da Caixa da Exame.com