Por Marcio Svartman
Uma reflexão sobre quando o sistema imunológico na cultura organizacional torna-se mortal.
Byung-Chul Han, em seu livro “A Sociedade do Cansaço”, explora a ideia de uma sociedade imunológica. Sua reflexão brilhante me levou a perceber este padrão naturalmente embebido em um grande universo de subsistemas desta mesma sociedade.
No meu dia-a-dia lidando com grandes organizações, fui impactado imediatamente pela identificação deste padrão em culturas organizacionais poderosas, sofrendo pela sua necessidade de evoluir e seguir crescendo e se fortalecendo.
Na verdade, esta percepção me atacou quando estava em um vôo, indo exatamente para um encontro de evolução cultural com o Comitê Executivo de uma grande empresa. Abri o computador em vôo e simplesmente, para desespero dos meus parceiros, alterei absolutamente toda nossa narrativa de mapeamento.
Do que estamos falando? Acompanhe o artigo.
Cultura organizacional ameaçada?
Um sistema imunológico eficiente tem o tempo de reação como um dos seus parâmetros de eficiência. E como todo ser vivo, as organizações também desenvolvem seus sistemas imunológicos. O problema surge quando, em algumas culturas, ele assume papel tão central que sua velocidade de ativação impede qualquer possibilidade de reflexão e de mudança.
É o que temos chamado na Corall Consultoria de Padrão Imunológico.
Quando dada cultura tem o Padrão Imunológico como uma de suas características principais, as pessoas da organização reagem rapidamente de forma defensiva, atacando toda e qualquer crítica ou sugestão. Tudo aquilo que é diferente é identificado imediatamente como ameaça. Sendo assim, é rapidamente isolado e atacado pelo coletivo.
Neste modelo, não há espaço para a escuta verdadeira. Muito menos para a reflexão.
E qual é o perigo?
O perigo é que num momento em que a inovação e a transformação tornam-se tão fundamentais, uma cultura que rejeita e ataca o que é estranho ao sistema corre o risco quase garantido de perder o timing da mudança. Corre o risco de defender estruturas ultrapassadas que a estão enfraquecendo. E ainda, correm o risco de atacar todo e qualquer agente identificado como ameaça; o que passa a incluir consultores, auditores e mesmo colaboradores que tragam ideias novas ou críticas. Além de atacar e expulsar agentes de mudança, criam organicamente narrativas que defendem os padrões atuais, e desmerecem qualquer informação ou dado que questione o modelo existente.
Já vi organizações que se queixam de um executivo, mas permanecem com ele apesar de falarem sobre a necessidade de mudá-lo por décadas. Isso mesmo; décadas. Isto acontece porque este profissional está protegido por um elemento que está presente na cultura. Portanto, não passa pela reflexão consciente, mas somente pela atuação inconsciente. Isto é o Padrão Imunológico agindo.
Reflexão consciente versus atuação inconsciente na cultura organizacional
Precisamos entender que a maioria dos elementos que se manifestam na cultura organizacional não estão no campo consciente. As frases escritas nos materiais institucionais são apenas uma pequena ponta do iceberg da cultura de uma empresa.
Há muito mais nas profundezas desta cultura. Neste lugar, onde não se vê, está a maioria dos padrões; agindo poderosamente por meio de todos aqueles que se identificam com a organização.
Agem assim porque este é o efeito da cultura; determinar nossa forma de agir, reagir, pensar e se relacionar, sem que isso passe pela nossa consciência ou reflexão.
Todos esses padrões surgiram em uma empresa porque, em algum momento da história, foram necessários e importantes. Mas como o contexto se transforma, chega um momento em que precisam ser abandonados, ou poderão levar a organização à morte.
A sobrevivência de um ser vivo depende de um bom equilíbrio entre defender-se e acolher o que vem de fora.
O desafio é perceber o padrão, e conseguir penetrar o sistema imunológico que tentará impedir a mudança e atacará qualquer um que a propuser.
Ele se manifesta por meio de narrativas, justificativas, questionamento sobre dados de pesquisas ou justificativas para qualquer coisa que seja apontada. Todos fortalecidos pelo coletivo que se junta para atuar imunologicamente, sem perceber, sem questionar e sem demoras.
Já interagi com grupos que me chamaram pois tinham problemas, e onde todos se atacavam e se criticavam o tempo todo. Eles mesmos me explicaram os problemas e as dificuldades vividas naquele momento. Mas quando eu os apontava, mesmo que fosse uma repetição do que eles me disseram, eles se juntavam imediatamente para me dizer que não era bem assim. É um padrão imunológico tão forte que faz aquele que está sofrendo com um padrão trabalhar em defesa deste mesmo padrão.
Como lidar com este padrão?
Não há uma receita mágica para isso, e é fundamental entender isso.
A razão pela qual não há receita fácil é também a primeira dica sobre como abordar este desafio.
Se o sistema imunológico está presente é porque foi necessário para a sobrevivência da organização em algum momento. Reconhecer isto como algo importante e valioso para aquele grupo é o primeiro passo para poder acessá-lo. Até porque, neste padrão, se você criticar será eliminado. Mas este reconhecimento deve ser verdadeiro. Deve-se mergulhar na história e entender que em algum momento este sistema precisou defender-se de forma contundente.
Agora, o desafio é pacientemente identificar onde está inserido este registro subjetivo, e ajudar a organização a reeditar sua percepção de contexto, de ameaças e necessidades. Quando esta jornada for feita, aí sim, com calma, o sistema poderá encontrar seu novo equilíbrio. E a jornada de transformação evolutiva da empresa poderá continuar.
Você quer conversar mais sobre esse tema e compartilhar os desafios da sua empresa? Podemos te ajudar nesta transição crucial!
Até breve.