Todo mundo tem opinião, o que, em si, é algo ótimo, uma vez que, para ter uma opinião, é preciso estar vivo. Ajustando a frase, portanto, todo mundo que está vivo tem opinião. O problema é quando alguém tem uma única opinião. Pior que isso, quando se acredita que a sua opinião é a única possibilidade que existe. Essa é uma maneira de definir uma dinâmica relacional que ocorre entre duas ou mais pessoas e onde o que está em jogo é quem tem razão e a propriedade sobre “a” verdade, ou seja, uma disputa pela opinião única que irá prevalecer ao final desse combate que também é conhecido pelo nome debate.
Debate é o tipo de coisa que não me interessa nem um pouco. Brigar pela verdade única é uma dinâmica onde as pessoas que dela participam não escutam umas às outras, tão ocupadas em escutarem-se a si mesmas. E ficam esperando uma oportunidade para derrubar o argumento do outro em favor do seu próprio argumento. Na medida em que nossas crenças moldam o mundo em que vivemos e com o qual nos identificamos, quando elas não são respeitadas, nosso mundo sofre um ataque direto. E, como possuímos um sistema nervoso que vive como verdade tudo o que vive no momento em que vive, um ataque dessa natureza não se diferencia de um ataque real, por exemplo, de um leão. Reagimos produzindo cortisol e adrenalina, o coração dispara, o sangue é bombeado para os músculos e deixamos nosso cérebro mais primitivo, o reptiliano, assumir o comando. Resultado: lutamos, fugimos ou congelamos, quando o melhor a fazer deveria ser observar e pensar.
Quando invalidamos o ponto de vista do outro como uma possibilidade, entre tantas, de ver o mundo, não reconhecemos seu direito de estar no mundo, daquilo que ele acredita que é o mundo para si. Isso equivale a dizer que numa dinâmica relacional onde o que se conserva é o debate, as pessoas que dela participam sequestram umas às outras o direito de existir, de ser alguém nesse mundo que muda o tempo todo. E eu não quero de modo algum ser cúmplice desse crime, por isso não insista: não aceito mais convites para debates.
Agora, se o que se busca é a compreensão do que o outro pensa e por que ele pensa de uma determinada maneira, ou seja, por que o outro diz o que diz, aí me parece uma dinâmica relacional bem mais interessante. Isso eu chamo de diálogo, aquele espaço onde estou curioso para conhecer outras possibilidades diferentes, possivelmente, das minhas opiniões. E nesse espaço corro o risco — pasme! — de mudar. Porque eu que tinha só uma opinião, de repente me exponho a outras opiniões e posso até escolher entre elas, em um dado momento, alguma que seja melhor para moldar meu mundo de modo a permitir que eu conserve de meu bem estar de uma maneira mais efetiva do que antes de conhecer essa nova perspectiva. O que me espanta, no entanto, é que esse modo de se relacionar com o outro, reconhecendo-o como legítimo outro, na curiosidade genuína por conhecer o mundo que ele vê e habita, tem sido tão pouco praticado nesse momento de nossa história. Ao meu redor, sinto o mundo dominado pelo debate e não pelo diálogo, inclusive, com o emprego desta palavra equivocadamente para designar a primeira. E isso me entristece a tal ponto que até para convites para diálogos estou pensando duas vezes antes de aceitar.
P.S.: Uma das coisas que tenho verdadeira repulsa são generalizações, pois acredito que generalizações acabam justamente alimentando os debates. “Todo mundo”, “nunca”, “sempre” são palavras que evocam verdades absolutas. Por isso, é necessário esclarecer que o título deste post, uma generalização o mais bruta possível, foi uma licença poética que usei para chamar a atenção para a gravidade do tema. Afinal, conheço, sim, muita gente que dialoga e mais gente ainda que, às vezes, debate e, às vezes, dialoga. Em outras palavras, eu não diria que todo mundo debate, muito menos que ninguém dialoga, e fiz isso apenas para que você se interessasse pela leitura e, principalmente, pela reflexão que resolvi fazer aqui.
Fábio Betti é socio e consultor da Corall