O caminho para a mudança não está traçado, embora haja múltiplas sinalizações. Muitas questões e dúvidas vão surgir, e uma das mais importantes certamente dirá respeito à gestão do desempenho. Num ambiente que privilegia a ação da inteligência coletiva e desestimula a competição individual, como recompensar as pessoas por sua contribuição? A questão é menos complicada do que parece. O modelo vigente na maioria das empresas, segundo o qual é possível medir o desempenho individual numa avaliação 360 graus, envolvendo pares, chefias e subordinados, de certa forma é falacioso. Numa organização, a rede de recursos e informações é tão complexa e sofisticada que a relação entre a performance de uma pessoa e o resultado da corporação como um todo será no mínimo errática. É simples avaliar o desempenho do corredor de uma maratona — afinal, ele corre sozinho e será ranqueado em relação aos demais. Dentro de uma empresa, o grau de interdependência entre funcionários e equipes é enorme, do time que compra a matéria-prima ao executivo de marketing, percorrendo as várias interfaces do processo produtivo e deixando-se afetar até mesmo pela opinião do eventual consumidor. Parte dessa poderosa cadeia de interdependência, ainda por cima, é mecanicista — é de máquinas e equipamentos que se trata –, mas há pessoas lidando com esses sistemas e informações; dessa forma, a crença de que otimizar o desempenho de uma parte do sistema vai aceitar a performance do todo é irreal. O próprio fato de a organização eleger um modelo de gestão que produz vencedores e perdedores tem um efeito altamente nocivo: joga fora boa parte dos talentos, que poderia atuar com excelência numa estrutura ganha-ganha. Nossa experiência mostra que, em sistemas complexos, o que realmente melhora o desempenho do sistema como um todo é criar um ambiente colaborativo, no qual todos trabalhem com o mesmo objetivo e tenham consciência de que contribuem para esse todo. Assim, terão mais clareza sobre seus caminhos de evolução e não serão influenciados apenas pelos sistemas de punição e recompensa. Como disse Marcelo Cardoso quando era Vice-Presidente de Sustentabilidade e Desenvolvimento Organizacional da Natura: “Descobrimos que no Vale do Silício ninguém está usando bônus vinculados a metas individuais” (Sharmer & Keufer, 2013). “No futuro, vamos substituir a nossa meta individual e sistema de bônus com cinco objetivos para toda a empresa que contam a sua história. No futuro, teremos uma remuneração mais fixa e menos variável.”
Uma empresa que opera em bases ganha-ganha, tem convicção sobre seu propósito e sobre o significado de seu trabalho no mundo e se preocupa com a evolução individual de seus colaboradores torna-se naturalmente mais sexy, atraindo talentos como um ímã. Ao mesmo tempo, e este é o outro lado da moeda, torna-se mais complexa, pois será ambiente fértil para tensões e dilemas criativos; qualquer líder sabe que é muito mais fácil organizar um exército de semelhantes.
Vicente Gomes é sócio e fundador da Corall