Um outro sentido para a velha lógica capitalista
Empresas com propósito ampliam horizontes para adiante da simples lucratividade e ganham espaço social aumentado.
Difunde-se, em vários países, inclusive no Brasil, a utilização da lógica capitalista para dar sentido social ampliado e de bases sustentáveis a empreendimentos de diferentes dimensões, desde a grande corporação à pequena empresa que apenas inicia suas atividades. O novo formato consiste em injetar propósito nos negócios, lançando mão de ferramentas já existentes na cartilha da livre iniciativa. No recém-lançado “De Dentro para Fora”, o jornalista Alexandre Teixeira explica esse mecanismo através de exemplos de quem já trabalha sob essa óptica de mercado. Conta histórias de executivos e empreendedores que ele classifica como idealistas pragmáticos, pessoas determinadas a “superar antagonismos excludentes, combinando lucro e justiça social, produtividade e criatividade, eficiência e bem-estar, competição e espiritualidade, resultados e felicidade”. Segundo Teixeira, ao mesmo tempo em que se pode criticar a “financeirização” exacerbada da sociedade e das empresas, é possível imaginar os negócios como uma força de transformação importante, desde que geridos sob certas condições.
Teixeira questiona o modelo clássico de negócios, que, a seu ver, dá sinais de esgotamento, aos quais contrapõe propostas de mudança como o movimento Capitalismo Consciente e as empresas com o selo “B”, que usam o poder de seu negócio para resolver problemas sociais ou ambientais. Seus relatos apresentam personagens que estão na linha de frente dessas mudanças. Além disso, incursiona por temas como os limites do crescimento global, felicidade no trabalho, inovação e marketing “conscientes”.
Sobre as práticas do capitalismo consciente, Teixeira diz que esse movimento leva as assinaturas do americano John Mackey, CEO da rede de produtos orgânicos Whole Foods Market, e do professor indiano-americano Rajendra Sisodia que, em 2014, escreveram o livro “Capitalismo Consciente”, para divulgar suas ideias. Essa prática é orientada por quatro princípios básicos: propósito maior; integração de “stakeholders”; liderança consciente; cultura e administração conscientes. Os autores consideram que as empresas ainda operam com baixo nível de consciência socioambiental e propõem que, sem prejuízo do lucro, torna-se necessário conferir um sentido mais profundo aos negócios, buscando apoio não apenas de acionistas, mas também de funcionários, clientes, fornecedores e parceiros.
Teixeira destaca o trabalho de Muhammad Yunus, conhecido como o banqueiro dos pobres, que estruturou o conceito de empresa social em seu livro “Um Mundo Sem Pobreza”, de 2007. De acordo com Yunus, para tornar a estrutura do capitalismo completa, é preciso criar um tipo de negócio que reconheça a natureza multidimensional dos seres humanos: “A ideia de que uma empresa possa ter outros objetivos além da obtenção de lucros não encontra espaço na teologia capitalista corrente. Daí a necessidade de rever velhos credos. As corporações costumam olhar demais para seus ganhos e pouco para a sociedade”.
Para tornar a estrutura do capitalismo completa, é preciso criar um tipo de negócio que reconheça a natureza multidimensional dos seres humanos.
Mas Yunus também afirma que “empresa social não é instituição de caridade”, pois apresentar “rentabilidade é fundamental”. Uma empresa social, explica, “oferece produtos e serviços que geram receitas, ao mesmo tempo que beneficiam os necessitados. A auto-sustentabilidade é o primeiro fator que diferencia um negócio social de uma entidade filantrópica; o segundo é o fato de os investidores de uma empresa social receberem o seu dinheiro de volta”.
Teixeira diz que o movimento dos negócios sociais surgiu com Yunus em 1974, mas só começou a tomar força com a queda das repúblicas socialistas do Leste Europeu. A partir daí, espalhou-se pelo mundo e chegou ao Brasil em 2013, trazido por Felipe Castro, que trabalhou no Yunus Center durante uma temporada na Ásia, e Rogério Oliveira, principal executivo no Brasil da Yunus Negócios Sociais.
Quanto aos personagens retratados em seu livro, Teixeira explica que têm duas características em comum. A primeira é uma atitude de não conformismo em relação ao atual modelo de negócios. A segunda, a de que os caminhos que encontraram para confrontar o capitalismo vigente e construir suas bases de transformação provêm do próprio sistema capitalista. Daí o título do livro, “De Dentro para Fora”.
Entre os empreendedores brasileiros citados por Teixeira por suas atitudes socialmente conscientes estão Cristina Carvalho Pinto, fundadora e presidente da agência de publicidade Full Jazz; Hugo Bethlem, ex-vice-presidente do Pão de Açúcar e hoje na direção do movimento Capitalismo Consciente; Antonio Ermírio de Moraes Neto, da Vox Capital; Lourenço Bustani, da Mandalah; Marcel Fukayama, CEO e membro do conselho do CDI_Global (Comitê para a Democratização da Informática); Ricardo Glass, da Okena, empresa de tratamento de efluentes; Julia Maggion, líder do Sistema B no Brasil, que trabalha para fomentar companhias com propósito; Roberto Martini, fundador e CEO da Flag, holding brasileira de empresas de comunicação; João Cavalcanti, da Box1824; Du Migliano e Alexandre Pellaes, da plataforma 99jobs; Eduardo Lyra, do instituto Gerando Falcões, com foco na periferia de São Paulo.
Matéria originalmente publicada na versão impressa do jornal Valor Econômico, São Paulo. Escrita por Marinete Veloso.
“De Dentro para Fora” — Alexandre Teixeira. 256 págs., R$ 45,00 (Arquipélago).