“O que você vai fazer para eles se entenderem? ” Esta foi a pergunta que me fizeram há algumas semanas quando me preparava para facilitar um workshop em que representantes de uma equipe se encontrariam para discutir temas importantes para a evolução de sua organização. Dois destes representantes tinham um histórico recorrente de desentendimentos e polarizações de ideias.
De fato, nem eu nem ninguém poderia garantir que os dois se “entenderiam”. O que estava no meu alcance era o de fazer um bom desenho para uma experiência coletiva positiva e ajudar a criar o “campo” para que as pessoas saíssem do tradicional debate / embate para o verdadeiro diálogo, com mais abertura e empatia. Poderíamos, eu e outros participantes, em especial o líder daquela equipe, fazer bons convites, mas a decisão de criar a disponibilidade interna para entrar neste espaço verdadeiramente dialógico é sempre individual. Se os dois não estiverem dispostos a explorar outras possibilidades, além de suas “verdades incontestáveis”, pouco se conseguiria avançar.
Cada um de nós pode usar no dia-a-dia, dois tipos de paradigmas (modelos ou mapas que usamos para navegar na vida) quando nos defrontamos nas nossas relações com situações que fogem do resultado que esperamos. De acordo com o primeiro paradigma, se algo deu ou está dando errado, alguém, e normalmente o outro (ou outros), é o culpado. E assim naturalmente penso: como faço para mudar o outro? O que é preciso fazer para “consertar”, para “corrigir” o culpado?
Não temos consciência, mas no fundo estamos usando a lógica cartesiana, a mesma lógica onde dois mais dois resulta em uma única possibilidade, quando ficamos seguros que temos “a verdade”. Contudo, na complexidade das relações humanas, tal caminho simplesmente não existe.
Há um segundo paradigma que podemos usar. E neste outro paradigma, entendemos que, em cada relação onde eu e o outro atuamos num certo contexto, não há culpados e inocentes, algozes e vítimas. O que existe é uma coordenação. E se de alguma maneira estamos coordenados para funcionar deste jeito (ou não funcionar de acordo com minhas expectativas), eu sou corresponsável pela situação criada. Reforço a palavra corresponsável, que é bem diferente de culpado. Algumas pessoas têm este paradigma da culpa tão internalizado em seus seres, que quando se dão conta que de alguma maneira contribuem para a situação atual, passam a se considerar culpados. Se o outro não é o culpado, então devo ser eu que preciso carregar a culpa.
Ao usar este segundo paradigma, busco compreender como cada um dos envolvidos contribui de alguma maneira para que a situação atual permaneça. E com esta compreensão, pensando em como podemos evoluir, reflito: o que eu posso fazer de diferente para que o outro também se mova? Posso melhorar a forma como convido o outro para a mudança desejada?
Um casal vivia a seguinte situação: as férias eram sempre planejadas pela esposa, que começou a reclamar da “falta de iniciativa” do marido neste processo de seleção dos lugares e planejamento para a viagem. Depois de conversar com um amigo, que conhecia este modelo de coordenação nas relações, recebeu a sugestão de mudar a sua abordagem, que é de extrema proatividade, e combinar com o marido que ele lideraria o planejamento do próximo período de férias. O desenrolar da história foi o seguinte: conversaram durante o fim de semana e o marido se mostrou feliz em poder ser mais protagonista no processo. No início da semana, ela perguntou a ele como estava a busca e, como ele ainda não tinha feito a seleção inicial, ela aproveitou e já fez uma série de “sugestões” de lugares, passeios e hotéis… O marido, por sua vez, “acatou” as sugestões da esposa e começou a fazer uma série de perguntas a ela, do que mais ela gostaria que fizesse parte das férias. A esposa continuou com a impressão de baixo nível de iniciativa do marido, mas só se deu conta do que estava acontecendo de uma forma mais ampla, depois que relatou a experiência para seu amigo e este lhe trouxe outras perspectivas de como os dois estavam se coordenando, e ela contribuindo para que o marido permanecesse naquela posição mais “passiva”.
Este paradigma da corresponsabilidade pode trazer desconfortos para alguns. Afinal, a posição de reclamar sobre as situações é mais fácil e cômoda. Um de meus sócios teve um insight valioso quando se deslocava para a praia nas vésperas de um feriado e encontrou um trânsito terrível: “Eu sou o trânsito! ”, pensou. Sim, naquele momento, cada um dos carros parados na estrada era corresponsável pela situação que estava vivendo. É possível elencar uma série de fatores verdadeiros que contribuem para aquela situação: estradas com poucas pistas, infraestrutura ineficiente, etc. etc., contudo, ter consciência de que contribuímos de alguma maneira, fazendo ou deixando de fazer algo, torna-nos mais empoderados. Tira-nos da posição de vítimas da situação para coautores e corresponsáveis.
E você? Como está contribuindo para que as relações ou situações que te trazem algum desconforto permaneçam do jeito que estão? Qual é a sua corresponsabilidade nesta história?
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Artigo originalmente publicado no blog Gestão Fora da Caixa da Exame.com