Para Fabio Betti Salgado, sócio consultor da Corall Consultoria e professor da Aberje, uma crise empresarial tem o poder de gerar energia suficiente para que uma organização, iniciando por seus principais líderes, reflita sobre a necessidade de pensar em outras possibilidades, na medida em que a crise é um sinal de que aquilo que era funcional num dado contexto já não é mais no atual.
“Nós, profissionais dessa área, nos posicionamos como parceiros dessa coevolução, porque ajudamos as organizações a identificar novas possiblidades para continuar evoluindo e, ao fazer isso, aprendemos e evoluímos junto com elas”, pontua.
Convidado do FP Entrevista desta semana, Salgado, fala também da ‘humanização da comunicação’, storytelling, storydoing e novas plataformas de comunicação.
Como o profissional e a área de Comunicação Organizacional podem se posicionar como estratégicos e não apenas ‘ferramentais’?
Primeiro, precisam abrir mão do poder e do controle ilusórios que as “ferramentas” oferecem para quem trabalha em Comunicação no mundo onde todos são comunicadores. Segundo, dedicar mais tempo para estar em outras áreas, trabalhando menos ensimesmada e conversando com os líderes e suas equipes, para entender os desafios da organização de maneira mais prática e, assim, se colocar a serviço, mostrando que a Comunicação existe para ajudá-los a realizar suas metas.
Em sua última coluna no site da Aberje você defende que as organizações se comuniquem de forma mais humana e direta, porém o vocabulário mercadológico ainda é muito baseado na física e na mecânica e há uma defesa de alguns de que simplificar a linguagem é empobrecê-la. É possível reverter esse quadro a médio prazo? Como?
Num mundo complexo, precisamos aprender a conviver com várias realidades simultâneas e parar com essa ideia estúpida de buscar alinhamento, unificação e outras fantasias do gênero que se propõem a homogeneizar as diferentes perspectivas sobre a organização. É justamente no diferente que reside a oportunidade do aprendizado e da inovação tão almejada nos dias de hoje. A pluralidade é parte do jogo, o que significa que muitas empresas continuarão funcionando como máquinas, ao mesmo tempo em que muitas outras também vão entrar para o time das que se veem como humanas e podem tirar proveito disso ao construir vínculos fortes com seus stakeholders que, como humanos, preferem (ainda) se relacionar com outros seres humanos.
Em uma de suas palestras na Fundação Cásper Líbero, você defendeu que as marcas deveriam parar de contar histórias fictícias (casos de storytelling que omitiram se tratar de ficção) e se ocuparem em ‘fazer histórias reais’ (storydoing). Por que?
O que quis dizer é que as marcas devem parar de vender histórias fictícias como reais. O consumidor não é mais a ‘Velhinha de Taubaté’ e, se percebe que foi enganado, vai à forra, expõe publicamente o caso, muitas vezes, com requintes de crueldade de quem se sente mortalmente traído — o que não é de se espantar frente à estratégia das empresas de construir uma conexão mais emocional com o consumidor. Não vejo, portanto, nenhum problema em quem prefere associar sua marca a uma ficção, desde que deixe isso explícito.
Um de seus lemas é “Conversando, a gente se entende”. Em um dia a dia imerso a pressões e metas, como mostrar às lideranças que a cultura do diálogo é um bom caminho (se não o melhor)?
Recentemente, participando de um fórum de executivos de Recursos Humanos, ouvi de uma gerente de RH de uma empresa de médio porte que não dava para trabalhar o diálogo com os líderes, especialmente, os de nível mais baixo na hierarquia, na medida em que eles estavam tão às voltas com suas metas que não viam valor em nada que não fosse diretamente relacionado a elas. E é aí que reside um dos maiores equívocos com relação ao diálogo. Ele é o melhor caminho para lidar com pressões e atingir metas, e a melhor forma de convencer as pessoas dessa afirmação não é falando, mas fazendo. Qual é a meta crítica que eles têm que atingir no momento? Crie espaço para vários líderes dialogaram sobre suas questões comuns, ofereça técnicas e ferramentas que os ajudem a praticar o diálogo com vistas a resolver essas questões e pronto! Eles mesmos vão se surpreender com o resultado. E uma vez que percebem o valor do diálogo para a gestão, um outro efeito colateral dessa prática é a criação de um ambiente de trabalho mais respeitoso e colaborativo, o que os ajuda a não só ser líderes eficazes como também admirados.
Você tem passagem por diversas empresas, sempre na área de Comunicação Organizacional, analisando de um modo geral sua trajetória, quais as barreiras encontradas na Comunicação e como foi possível superá-las?
Trabalhando desde 1988 com Comunicação, perdi a conta da quantidade de barreiras que enfrentei. Mas para não deixar essa pergunta sem resposta, trago uma experiência transformadora que vivi no início de minha carreira de executivo. Inconformado com os baixos índices de satisfação com uma revista de circulação interna que eu editava, resolvi desabafar com meu chefe. Disse a ele que considerava a publicação, pioneira no uso de papel reciclado, sem qualquer modéstia, uma das melhores produzidas à época no segmento de comunicação organizacional e que não entendia como os funcionários não conseguiam ver isso. Ele simplesmente mirou-me com olhos calmos e piedosos e disparou: “Betti, percepção é realidade. Se o público-alvo da revista diz isso, é assim que é”. Parece que essas palavras ainda ecoam em mim, dizendo, ou melhor, gritando que a paixão do comunicador pelo que faz pode cegá-lo a ponto de se esquecer que seu trabalho não é orientado para si mesmo, mas para atingir um determinado objetivo e que o sucesso de seu trabalho é medido, portanto, não pelo que ele pensa, mas pela forma como esse trabalho é percebido pelo público que ele se propõe a atingir. Essa constatação contribui para transpor a barreira do ego e da vaidade de quem trabalha em Comunicação, o que já é uma revolução e tanto.
A Consultoria da qual você é sócio tem como objetivo catalisar a criação e transformação das organizações para o surgimento de uma nova economia, baseada em bem-estar, felicidade, prosperidade e uso eficiente de recursos. De que modo vocês propõem essa ‘Gestão fora da caixa’ assim como o blog homônimo que possuem no portal da Revista Exame?
Tudo começa com uma crise. Isso porque a organização que está navegando em modo cruzeiro, sem qualquer tempestade à vista, mesmo que funcione de uma forma que possa não ser sustentável a longo prazo, dificilmente abre-se para a possibilidade de fazer algo diferente. A crise tem esse poder de gerar energia suficiente para que uma organização, iniciando por seus principais líderes, reflita sobre a necessidade de pensar em outras possibilidades, na medida em que a crise é um sinal de que aquilo que era funcional num dado contexto já não é mais no atual. É aí que começa o nosso trabalho. Nos posicionamos como parceiros de co-evolução, porque ajudamos as organizações a identificar novas possiblidades para continuar evoluindo e, ao fazer isso, aprendemos e evoluímos junto com elas. E, como nossas próprias experiências demonstram, evoluímos mais rapidamente quando nos conectamos com nossas forças, não com nossas fraquezas, e focamos na solução, não no problema. Só aí já é uma baita ruptura no modelo mental reinante, e por isso a crise é tão importante: ela é um convite poderoso para um pensar e um fazer diferentes.
Você acredita que as organizações usem as novas plataformas para fortalecer os vínculos com seus funcionários ou ainda não estão totalmente preparadas?
Ainda vejo muitas organizações usando as novas plataformas, especialmente, as mídias sociais desde o velho modelo comando-e-controle, o que é garantia de dor e sofrimento. Tanto é que as empresas que simplesmente transportam seus textos corporativos ou scripts de telemarketing para as páginas das redes sociais acabam apanhando feio, porque, mais uma vez, as pessoas querem interagir com pessoas e não com robôs. Querem se sentir ouvidas e isso pressupõe uma dinâmica relacional orgânica e não mecânica. Nesse novo mundo cada vez mais sem possibilidade de pré-moderação, ou você entende que o único caminho é interagir e, portanto, dialogar, ou é melhor ficar de fora, assistindo.
Você é um dos especialistas que melhor explicam a diferenciação dos termos e significados de Comunicação com caixa alta e comunicação com caixa baixa que conhecemos. Pode explicar a diferença aos nossos leitores?
Resolvi fazer essa distinção para matar vários coelhos com uma cajadada só. Comunicação de caixa alta é o nome de uma função ou área. Para trabalhar com Comunicação, há de se ter experiência e formação adequada. Já comunicação de caixa baixa é uma habilidade inerente a todo ser humano. Todo mundo nasce com a capacidade de se comunicar e se desenvolve melhor ou pior de acordo com sua história de vida. Alguns, portanto, se tornam melhores comunicadores que outros, mas todo e qualquer ser humano pode ser um excelente comunicador sem que precise fazer qualquer curso ou trabalhar na área de Comunicação. Isso significa que alguém que estude Comunicação e tenha experiência como profissional de Comunicação não é necessariamente melhor comunicador que, por exemplo, um engenheiro que pratique a comunicação rotineiramente. Quer dizer também que a Comunicação não tem qualquer controle sobre a comunicação, mas, como uma área que tem a comunicação no DNA, ela poderia muito bem pegar para si a função de desenhar fluxos e construir e animar redes de comunicação por toda — e além da — organização. Para mim, essa pode ser uma tremenda oportunidade para quem precisa urgentemente se reinventar. Tenho dito em várias plataformas que este talvez seja o futuro dos profissionais de Comunicação, que migrariam de produtores e disseminadores de conteúdo a designers de fluxos comunicacionais, algo muito mais estratégico do que ficar cuidando de ferramentas, né?
Quem é Fabio Betti?
Sócio da Corall e consultor especializado em Comunicação de Liderança, Cultura de Diálogo e facilitação de processos de Inovação e Transformação Cultural. Formado em Jornalismo pela PUC-SP e pós-graduado em Comunicação Empresarial pela ESPM-SP, possui mais de 25 anos de experiência na área de comunicação organizacional, tendo atuado nas empresas Johnson & Johnson e Dow Química e como um dos sócios e diretores das agências Cia de Vídeo e Novacia. Professor em Comunicação Face a Face pela Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (ABERJE), em Diálogo pela Escola de Diálogo de São Paulo e em Biologia-Cultural pela Escola Matriztica de Santiago. Atualmente, é mestrando em Biologia-Cultural pela Universidad Mayor do Chile e possui especialização em Comunicação Corporativa, além de diversas formações na área do desenvolvimento humano.
Veja o artigo original publicado no Blog Fábrica de Palavras