“Precisamos criar algo bom para todos os stakeholders — empresários, funcionários, fornecedores, clientes e sociedade como um todo. Fazer com que a gente resolva os interesses individuais e ao mesmo tempo solucione os problemas da sociedade”.
Ele iniciou a carreira no marketing de companhias tradicionais como Natura, Gillette e Johnson & Johnson no Brasil e nos Estados Unidos. Em 1999, participou de uma iniciativa pioneira na Internet do Brasil, como responsável pelo marketing e novos negócios da Webmotors. Depois, atuou como diretor de marketing e novos negócios do MSN, na Microsoft. Estamos falando de Max Petrucci, que em 2006 fundou a Garage, uma agência full service que acredita na cultura de start-up e no poder do propósito.
Entrevistado por Fabio Betti para a série DIÁLOGOS CORALL COM CEOS, Petrucci detalhou ideias e princípios que regem seu trabalho e sua vida, com temas como ambiente digital e conexão entre empresas e pessoas. Seu objetivo há mais de 10 anos na Garage tem sido ajudar e acelerar a transformação do mercado de propaganda, usando o digital como agente de mudança, com um propósito claro e estrutura simplificada.
Durante a conversa, ele também abordou a importância da economia em rede, onde as pessoas estão aprendendo a levar a vida de um jeito mais efetivo, se livrando de intermediários.
“A palavra que mais gosto é coerência, pois é algo que constrói. Ser coerente na visão de líder cada vez mais gera vinculo, aproxima e legitima”.
Confira os principais trechos da entrevista:
O que foi determinante nessa sua longa trajetória de sucesso?
M.P. Longa sim, porque meu RG “deda”. Sucesso em algumas oportunidades, mas também enfrentei problemas e desafios. Acredito que o sucesso nasce de uma série de fatores que se juntam e facilitam para que as coisas boas aconteçam. O grupo de pessoas e tipo de negócios são fundamentais para conseguir alcançar bons resultados. O que mais conta para o sucesso é tentar ter uma visão clara do que quer fazer e acreditar que dará certo. Dar o máximo para participar desse tipo de empreendimento é fundamental, mas que fique claro que o sucesso nunca é algo individual, mas, sem dúvida nenhuma, começa pela sua visão, empenho e contribuição.
Existe um problema ou desafio que marcou sua vida corporativa?
M.P. Teve um na Microsoft, quando fui trabalhar lá fora na matriz. O primeiro projeto que fui lançar era o Hotmail Premium, que custava 20 dólares e oferecia 20GB de armazenamento em comparação aos 5GB da versão gratuita.
Já tinha m lançado nos Estados Unidos e faltava para o resto do mundo. Fiquei três meses trabalhando no projeto. Então, a duas semanas do nosso lançamento o Google anunciou o Gmail de 1 gigabyte de graça. Pode imaginar que isso dá para chamar de um grande desafio. Mas nossa vida é cheia dessas coisas, dependendo do tipo de contexto que você quer se colocar, e o mercado tecnológico e da Internet tem muito disso; é exponencial no nível de risco, inovação e desafio. Você continuamente vai precisar enfrentar e fazer de um limão uma limonada.
Quando o digital surgiu como negócio? Qual foi o princípio dessa jornada?
M.P. Eu sempre fui meio geek, mas não era um cara de TI e tecnologia e sim de marketing, gestor de marcas e produtos, que entregava resultado no final do mês. Mas quando estava na Jonhson & Jonhson, em 1998, como gerente de produto global de Absorvente Higiênico, tive o contato mais próximo com Internet. Um dos projetos era fazer o website global da marca. Foi quando comecei a entender o que era esse mundo e já me apaixonei. Esse também foi um momento em que nos Estados Unidos estava surgindo o fenômeno “pontocom” e um VP da J&J , um cara que admirava demais, largou tudo para se aventurar no digital. Voltei para o Brasil em 1999 com essa pulga atrás da orelha e logo na sequência recebi um convite de um amigo para um desafio no digital da Webmotors. Mas foi tudo na intuição e coragem, podemos dizer.
Tem algum líder ou modelo de liderança que serviu como referência na sua carreira?
M.P. O Bill Gates sempre foi e sempre será uma referência, com características boas e ruins, embora por muito tempo eu me inspirava até mais no Steve Jobs. Tive uma chefe nos Estados Unidos que havia trabalhado com Jobs e sempre ressaltava o quanto o Jobs era mais criativo e inovador, enquanto sabia dar um caráter humano à tecnologia. A Microsoft era mais quadrada no geral, só o MSN e X-box tinham conseguido despertar essa magia, esse “fator Apple” presente em tudo que eles fazem. Mas Jobs era meio tirano, Gates do seu jeito é muito mais humano, é só ver onde ele gasta hoje seu dinheiro e seu tempo, ajudando a transformar em negócio iniciativas que resolvam grandes problemas da humanidade. E fora da tecnologia, no “trivial” mundo do varejo, tem o exemplo do WholeFoods do John Mackey que é super consagrado. Dá para inovar e fazer diferente em qualquer mercado — quem quer faz.
Como consegue passar essa inspiração para seu modelo de negócio?
M.P. É uma tentativa e descoberta diária. Tentamos sempre nos reinventar baseados em dois pilares.
Um é o Digital, que não é a mídia ser digital, mas vai além de transformar o comercial da televisão de 30 segundos para um filme no YouTube. Hoje marca se constrói com experiências e não apenas com mensagem publicitária. Na hora de se informar sobre o produto ou serviço, na reputação online, na hora de usar o produto, comprar, facilitar a próxima compra, em tudo isso o digital é imbatível. Para algumas indústrias a digitalização é quase total, para outras parcial, mas sem dúvida muda o jogo. As grandes empresas hoje, ou mudam elas, ou vem uma start-up e muda por elas. Esse sempre foi o propósito da Garage, que é usar a transformação digital, em todos os seus elementos, a favor dos negócios.
O segundo grande pilar surgiu nos últimos cinco ou seis anos, que nós chamamos de Mente de Propósito, que é criar algo bom para todos da cadeia — empresário, funcionários, fornecedores, clientes e sociedade como um todo. Fazer com que a gente resolva os interesses individuais dos stakeholders e, ao mesmo tempo, resolva os grandes problemas da sociedade.
Como conciliar esses princípios dentro da Garage e também no mercado?
M.P. O digital tem o poder de transformação e isso que é interessante. Mas confesso que em 2006 isso tudo ainda era embrionário no Brasil. Hoje, em 2017 , é condição de sobrevivência de toda empresa, algumas despertaram antes, outras só agora há pouco. Acumulamos grande experiência nesta ultima década ajudando nossos clientes neste enorme desafio, o que hoje nos capacita num mercado muito competitivo e dinâmico. O importante é ter pessoas que acreditam nisso e que realmente coloquem algo a mais do que seu tempo de trabalho. Depois temos que ter clientes que queiram isso, mas claro que na medida adequada, pois nem todos querem 100% desse propósito. Precisamos criar elementos que alinhem as entregas com os propósitos, que tragam mais fatores humanos e menos conceitos somente de marca.
Como conciliar a comunicação digital com a comunicação face a face?
M.P. Isso é um grande dilema. Dependendo como a tecnologia é usada, por ser uma ferramenta, fica ainda mais fria, impessoal e não humana. Mas qual é o futuro da inteligência artificial? Vai ser fria? Impessoal? Ainda não sei… Acompanhando as discussões, há várias questões polêmicas, como por exemplo a questão da automação humana e da geração de emprego. Mas nessa discussão tem um fator relevante que é a questão do coração. Não querendo ser poético, mas o que define a gente como ser humano é o algoritmo do nosso coração, que é algo mais difícil de reproduzir. A parte mental e cerebral será superada pela máquina em menos de dez anos, mas o fator do coração vai exigir uma simbiose muito mais complexa para encontrar o caminho.
Onde surgiu o projeto SHIFT Happens!?
M.P. A iniciativa surgiu de um briefing do Banco Real, que na época estava virando Banco Santander, que tinha uma iniciativa especifica para pessoas com mais de 60 anos. Quando surgiu o projeto, seis anos atrás, discutimos todas as ideais com olhar novo e fresco, sem rótulos. Daí, quando convivemos com esse problema, surgiu um questionamento construtivo de parar e repensar como é envelhecer no Brasil. Isso nos fez perceber que tínhamos na mão um projeto que respondia mais para a sociedade do que para o cliente. Foi quando resolvemos tomar a iniciativa de refazer como um projeto nosso, com estilo de startup, e que acabou se transformando em um movimento social .
Aprender a fazer isso de um jeito de startup mostrou que isso é parte da nossa transformação como negocio, para assim melhor ajudar a transformar o negócio dos nossos clientes — começando pela transformação/solução de um problema da sociedade.
Por um lado, as grandes corporações estão pressionadas por resultados de curto prazo, os briefings chegam restritivos e as vezes não tão bem conectados com o verdadeiro problema da sociedade. As vezes é melhor inverter o processo, ou seja, pegar o briefing da sociedade e entender de que forma ajudar a resolver esse problema, que é o que a SHIFT Happens! se propõe a fazer. E muitas vezes nem é tão diferente do que a marca quer fazer. O legal de ouvir o briefing da sociedade é que buscamos trabalhar em rede, com os agentes que já atuam e querem resolver. Somos o conector para trabalhar em rede e, por isso, o modelo é desafiante e complementar do modelo de agência digital . No final, o objetivo é o mesmo, conectar marcas e pessoas/sociedade. Mas muda o por onde começamos, é um “hack” no sistema.
Você não corre o risco de precificar o propósito?
M.P. Não, porque daí não é o propósito que te define na essência. Mas lógico que terá desgaste e tentativa e erro, como houve com o digital. Hoje muitas vezes a história da sustentabilidade é um verdadeiro “sustentablablabilidade“. Em um processo de maturidade, no ciclo do consumo, a reinvenção vem da proatividade das duas pontas, mas confio mais na roda do consumo e do empoderamento, que vão tomar decisões muitos mais alinhadas e boas de forma mais rápida.
Tem algo especial no seu dia a dia que faz para inspirar as pessoas?
M.P. Eu acho que o básico é deixar bem claro sua visão de mundo, qual é o seu papel na sociedade e o negócio como consequência. A sua contribuição como líder passa a fazer sentido. A palavra que mais gosto é coerência, pois constrói. Ser coerente na visão de líder do negócio cada vez mais gera vínculo, aproxima e legitima. As pessoas se empoderam de algo que fica fácil de entender e que a sociedade se identifica.
Pensando no futuro. Como você gostaria de ser lembrado?
M.P. Em uma fase da minha vida eu consegui contribuir de uma certa forma para o mundo dos negócios, principalmente das startups e do ecossistema digital. Isso eu já deixei um legado do tamanho da minha ambição, . Mas sem dúvida nenhuma o que mais me chama daqui para frente é ajudar a reconstruir nosso sistema de produção e consumo, o que hoje chamamos de Capitalismo. Gosto da iniciativa do “Capitalismo Consciente”, mas o nome é esquisito. A semente de transformação é o “empreendedorismo”, e sim cada vez mais consciente. Eu realmente acredito que os negócios têm um poder de transformação gigante, e serás cada vez maior. Uma combinação de oportunidade e necessidade.
O mundo prova que não existe outra forma de reconstruir a não ser tirando e reinventando a máxima potência do indivíduo empreendedor; isso em uma visão menos sindicalista possível, que em rede constrói algo novo. Tomara que a Garage, Shift Happens ou em alguma outra empresa eu possa contribuir para esse legado de alguma forma.
Seria possível acabar com as metas financeiras da empresa e ter metas de princípios e valores?
M.P. A meta faz com que as pessoas remem ao mesmo tempo de forma sincronizada e consistente no mesmo lugar. As pessoas não precisam simplesmente chegar somente no número financeiro, mas tem toda a questão do empoderamento do indivíduo. Onde eu acho que o comunismo se atrapalhou foi desempoderar o indivíduo e fortalecer o Estado. Uma sociedade em rede cada vez mais depende do indivíduo empoderado.
Tem algum conselho para as empresas que buscam a transformação digital?
M.P. Não é fácil, mas temos bons exemplos, como Netflix e sua revolução no mercado. Porque eles conseguiram se reinventar algumas vezes? Realmente é um elemento cultural e o fator de ter um líder verdadeiramente humano. Sua vibração e materialização expressam muito bem quem é a “Netflix”. Eles possuem uma carta de valores que mostra o caminho que precisam seguir na teoria e prática. A provocação do líder é cultural e humana no papo com o CEO. Essa palavra que está sendo muito usada, que é transformação como um gene muito predominante na companhia, na prática faz toda a diferença na empresa.
Se pudesse voltar no tempo e encontrar com o Max Petrucci na saída da faculdade para dar um conselho para aquele jovem, qual seria?
M.P. É difícil porque as coisas mudaram muito em 30 anos. Mas acho que a questão do empoderamento pessoal e empreendedorismo. Tentei ser empreendedor quando saí da faculdade e as vezes a gente se frustra, mas só com o tempo fui percebendo que é muito legal e transformador. Eu simplesmente diria: parece loucura, mas prioriza essa questão. Acredite e plante em você as coisas que acredita. O universo vai te mostrar qual é a sua missão.
Entrevista Originalmente publicada em HSM Experience: