Um dos nomes mais emblemáticos do empreendedorismo nacional, Sofia Esteves é a prova viva de que nunca é cedo ou tarde demais para mudar a carreira. Com apenas 26 anos, abriu uma empresa, que hoje se tornou o Grupo DMRH, e se tornou referência no setor de Recursos Humanos. Formada em Psicologia, se tornou pioneira em diferentes metodologias de recrutamento e treinamento profissional. Quase três décadas depois, entrevistada para o blog da Corall por Maurício Goldstein, sócio da consultoria, revelou seu sonho de infância, a diferença que fez a diferença em sua trajetória e destrinchou os resultados da última pesquisa realizada pela Cia de Talentos, pertencente ao seu Grupo, “Carreira dos Sonhos”, que mapeia os desejos corporativos de jovens, média gerência e alta liderança em diversas companhias. A empresária ainda ofereceu sua visão sobre os problemas no mundo empresarial e convida líderes a refletirem sobre seus papéis.
Confira os principais trechos da entrevista.
Fale um pouco de sua trajetória, a escolha do curso de Psicologia na universidade e como surgiu o desejo de empreender.
S.E. Escolhi o curso porque tinha o sonho de ter um orfanato. Desde muito cedo, me sentia impactada ao ver crianças abandonadas ou espancadas por suas famílias. Sou de uma família bastante humilde, trabalhei para pagar a faculdade e, por isso, não estagiei. Já formada, não consegui emprego na área educacional, como planejado. A vida me levou a conhecer o que era consultoria de Recursos Humanos, que há trinta anos, nem ao menos sabia que existia, tendo sido contratada por uma para trabalhar na recolocação de executivos. Minha veia empreendedora apareceu pela primeira vez quando instituí nessa empresa uma divisão de recrutamento e seleção que não existia.
Em seguida, fui convidada por outra consultoria para dirigir um projeto de seleção, já estabelecido e com metodologia. Por questões de valores pessoais, pedi demissão dessa organização as vésperas do Natal. Depois, recebi o convite de um diretor de Recursos Humanos para fazer um projeto de recrutamento e seleção. Ele me ligou dizendo: “Menina, monta seu negócio porque você vai dar certo! Gosto do jeito que você pensa RH e gostaria que você realizasse um trabalho para minha empresa”. Nunca imaginei ser empreendedora, mas montei o grupo DMRH. Fizemos um trabalho autônomo para o diretor dessa empresa, que nos indicou para uma, que nos indicou para outra…
A metodologia do grupo foi criada de forma conjunta com alguns diretores de RH que conhecia, tendo sido desenhada de forma que fosse ao encontro do que cada um buscava. E por conta das boas experiências, tanto de candidatos quanto de clientes, começaram a nos indicar. Criei essa empresa com 26 anos e aos 28 percebi que não era a única que sentia que tinha saído da universidade mal informada sobre minha própria carreira. E, se ainda hoje existe muita dificuldade na definição da vida profissional, imagine há três décadas, que não existia Internet! Passei a fazer trabalho voluntário em escolas e universidades para falar sobre o mercado de trabalho, levando executivos para contar sobre suas carreiras aos jovens. Sabendo disso, a Unilever, em 1990, me convidou para terceirizar seu programa de trainee, que futuramente virou a Cia de Talentos.
Planejei me tornar empreendedora ou trabalhar em Recursos Humanos? Não! Comecei em RH por necessidade, me apaixonei pela área e vi que esse poderia ser um grande trabalho que impactaria a vida das pessoas. Resolvi adiar meu sonho do orfanato para quando tivesse cinquenta anos e que meu trabalho me daria os recursos financeiros para criar isso. E, hoje, esse orfanato se tornou um de jovens carentes de mercado de trabalho!
Na sua trajetória de sucesso, qual foi a diferença que fez a diferença?
S.E. No mundo corporativo, as pessoas não estão acostumadas a ser o que são e a cuidar do outro. Entretanto, acredito no estabelecimento de vínculos de confiança e qualidade. E, talvez, também seja obcecada com a qualidade. Não consigo fazer nada que deixe uma sujeirinha embaixo do tapete, em que não use toda minha estratégia para encontrar o melhor profissional ou oferecer o melhor treinamento.
Me atiro de corpo e alma e trouxe isso para meu time. Talvez, o que mais tenha impactado minha trajetória, foi ter trazido pessoas que tinham esses mesmos objetivos de excelência na entrega e de vínculo com empresas e clientes. E, quando falamos de empresas, falamos de pessoas. E essas pessoas têm suas necessidades, não só corporativas, mas de ser humano, dúvidas de carreira. Só trabalhamos com quem possui nossos mesmos propósitos e valores. Assim se cria uma bela corrente e esse foi o diferencial.
“Estamos vivendo em conflito, pois apesar de em todos os níveis e funções se falar muito de propósito de vida, impacto social e fazer a diferença, do outro se vive a pressão de mais eficiência com menos pessoas, a busca pelo lucro e o resultado a qualquer preço. A corda está muito esticada e o elástico quase estourando.”
Em parceria com a NextView People e durante quinze anos de pesquisa, a Cia de Talentos realizou o maior estudo sobre jovens e mercado de trabalho da América Latina denominado “Carreira dos Sonhos”. Como surgiu a ideia de realizar tal mapeamento e de que forma os inputs do levantamento podem ajudar na gestão de pessoas?
S.E. Começamos a trabalhar com jovens em 1990 e, desde 1985, quando me formei, já sentia que não tinha todas as informações que precisava sobre o mercado de trabalho. Quando comecei a fazer os programas de trainee, ficou ainda mais claro para mim que a juventude não conhecia esse mercado e que as próprias empresas não sabiam o que os jovens buscavam. Por isso, fizemos uma pesquisa bem simples, indagando sobre áreas favoritas, se a organização desejada era multinacional, nacional ou do setor público… Perguntávamos de forma objetiva e recebíamos respostas racionais e concretas.
Em meados do ano 2000, passamos a chamar o estudo de “Empresas dos Sonhos dos Jovens”, que depois se tornou “Carreira dos Sonhos dos Jovens”, em que incluímos a pergunta: “Você tem uma empresa em que sonha trabalhar?”. Também aparecia um espaço que possibilitava que o entrevistado digitasse o nome dessa organização para não ocorrer nenhuma inferência como aconteceria se oferecêssemos um combo de opções. O questionamento seguinte, o mais importante, era: “Por que você quer trabalhar lá?”. Fazíamos isso porque com o nome, vem a fantasia de algo que pode representar somente fama, um produto legal ou uma mídia veiculada na televisão. Queríamos entender o real motivo desse desejo e como o jovem sabia que determinada empresa ofereceria o que ele esperava. Por exemplo, alguns diziam que sonhavam em trabalhar em uma multinacional, mas escolhiam o nome de uma empresa que não tinha nada a ver com essa justificativa.
E, com isso, percebemos gaps profundos entre o que o mercado de trabalho busca e o objetivo de vidas dos jovens, que, infelizmente, só aumentam. Essa pesquisa, feita por doze anos, era apresentada para organizações que queriam saber o que a juventude desejava. Quando essas apresentações aconteciam, presidentes e diretores vinham com críticas, chamando-os de incoerentes por conta das empresas e líderes que admiravam. Existia um verdadeiro juízo de valor. Aquilo me incomodava e resolvi ver o que os próprios executivos pensavam.
Para nossa surpresa, os resultados eram bem similares: pelo menos 50% dos líderes admirados eram os mesmos, assim como as empresas. E, assim, mostramos a eles que os jovens tinham incoerências, mas que nós também as possuíamos. Aprofundamos esse estudo até que, em 2015, no 15º ano da pesquisa, decidimos escutar mais um público, o da média gerência. Esse é um grupo difícil de encontrar material a respeito… Assim, conseguimos amarrar um ciclo de quem está iniciando, quem está no meio da carreira e quem já chegou nos cargos de liderança.
E, surpreendentemente, diria que cerca de 80% dos resultados nos três grupos são muito semelhantes. Os objetivos são muito parecidos. O que muda é a forma como se luta por eles. Isso é relacionado a aspectos geracionais e histórias de vida.
Falando um pouco mais sobre diferenças geracionais, uma informação levantada na pesquisa é que a maioria (67%) dos jovens disse que o mais importante da vida é o sucesso profissional. Esse número cai na média liderança (62%) e ainda mais na alta (48%). E, nesse grupo, é superada pela expectativa de uma boa relação familiar (51%). Como você interpreta esses números?
S.E. No início da carreira, estamos na fase da autoafirmação. Precisamos nos provar aos nossos pais, que investiram financeiramente nos estudos ou sustento, e aos nossos colegas. É o momento do “estudei muito e agora é a hora de ver onde posso chegar”. Embora os jovens coloquem o sucesso profissional em primeiro lugar nessa edição, no ano passado, quando perguntamos a eles sobre prioridades de vida, família aparece em primeiro lugar, seguida por estudos e carreira. Essa expectativa de sucesso profissional é muito mais ligada ao desejo de conquista do que o lado financeiro. Na média gerência, provavelmente, já se está acima dos 30 anos, casado e com filhos, e surge mais o desejo de equacionar as questões de valor. A maioria das pessoas que ocupa tais cargos são os filhos dos Baby Boomers, que colocavam o trabalho em primeiro lugar. Essa geração trabalhou muito, mas por conta do downsize, perdeu muitos empregos. E quem nasceu durante esse período quer possuir uma relação diferente com seus filhos daquela que tiveram com seus pais, conciliando mais o papel em casa e priorizando a família. Já a alta liderança sente que já se provou e passa a se perguntar o que teve que abrir mão para chegar lá. Se indagam se cuidaram bem dos familiares, se viram os filhos crescerem, foram em aniversários… E passam a oferecer mais tempo para esse núcleo. Então, esses resultados estão relacionados ao ciclo de vida e fazem todo sentido.
Um dado que chama a atenção é que nesses três grupos mais de 70% dos respondentes revelou que não trabalharia na empresa que atua atualmente se não dependesse de dinheiro. Isso mostra a falência do modelo adotado por companhias atualmente? O que aconteceu no mundo corporativo?
S.E. Essa foi a descoberta que mais nos surpreendeu. O fato de 77% da alta liderança dizer que faria outra coisa se não precisasse de dinheiro e mais de 70% dos jovens, que praticamente nem começaram suas carreiras, responderem o mesmo mostra que vivemos uma grande doença corporativa. Estamos vivendo em conflito, pois apesar de em todos os níveis e funções se falar muito de propósito de vida, impacto social e fazer a diferença, do outro se vive a pressão de mais eficiência com menos pessoas, a busca pelo lucro e o resultado a qualquer preço. A corda está muito esticada e o elástico quase estourando. Antes, o emprego era visto como o lugar que te garantiria sustento, mas não te traria prazer. Existia um papel corporativo e outro familiar, fora do ambiente trabalhista. Hoje, somos um só e queremos ser um só nos dois ambientes. E isso faz com que busquemos significado em nossas profissões.
A grande incoerência nessas respostas vem da alta liderança, já que essa parcela de pessoas tem nas mãos a responsabilidade de amenizar pressões e mudar posicionamentos. E uma das coisas que mais observamos na pesquisa do ano passado é que a maioria deles desejava sair de suas empresas e fazer outras coisas, pois não observavam os valores e culturas da organização sendo praticados. Ora! Se sou a alta liderança, então quem é o responsável? A culpa é minha, pois faço parte disso. Parece que a culpa sempre é do outro, do mundo corporativo como um todo, mas não é bem assim. É importante se perguntar: será que aquilo que estou querendo buscar para mim é o que tento proporcionar aos outros? Estou lutando por um bem comum? Existe distanciamento entre o que desejo para mim e o que pratico no dia a dia da minha empresa?
“É importante se perguntar: será que aquilo que estou querendo buscar para mim é o que tento proporcionar aos outros? Estou lutando por um bem comum? Existe distanciamento entre o que desejo para mim e o que pratico no dia a dia da minha empresa?”
Explorando mais sobre isso, vejo uma dissonância cognitiva, pois muito se fala sobre querer uma coisa, mas o oposto é praticado… De onde vem isso?
S.E. Acho que esse processo de autoconhecimento e maior consciência está muito recente. Um exemplo é que as pessoas falam muito sobre propósito, querem trabalhar em uma empresa onde possam impactar vidas, mas na hora do “vamos ver”, de fazer a transição de carreira, acaba escolhendo a opção que oferece status e maior salário. Primeiramente, ninguém tem tudo na vida. E é preciso ter a coerência de enxergar as coisas das quais não se abre mão. Assim, se não abro mão de atuar em um ambiente que realmente gere impacto em vidas, talvez deva abrir mão do maior salário ou da empresa de maior status social. Não é possível ter tudo, mas ao mesmo tempo, a sociedade, principalmente a brasileira, no fundo, exige isso.
Vejo um conflito que acontece com o gênero masculino referente a isso. A mulher pode sair em ano sabático, se dedicar ao filho ou pausar a carreira para voltar mais tarde. Mas o homem não. Existe o ideal que ele deve sustentar e ser o mantenedor. A atingir cargos de diretoria mais rapidamente. A sociedade cobra e, no processo, às vezes, as pessoas perdem seus desejos.
Você acha que existe solução para o modelo organizacional corporativo atual?
S.E. Estamos em um momento de grande transição e, como tudo na vida, a adaptação leva tempo. Sempre falo que, no passado, tínhamos ciclos de mudança. Por exemplo, da revolução industrial para a industrialização, para a implantação de processos, criação de tecnologias e estruturação de empresas. E existia um tempo para adaptação de cada uma dessas etapas. As mudanças sempre aconteceram, até porque se não acontecessem, ainda viveríamos na Idade da Pedra.
Mas o que mudou muito foi a velocidade das mudanças. Hoje, vivemos em uma grande montanha russa, pois não existe mais aquele período de adaptação para grandes transformações. E é praticamente fisiológico, pois o ser humano não está adaptado a absorver novidades em um ritmo desses. Por isso, muitas pessoas estão angustiadas, porque é preciso ter muito autoconhecimento e estar sempre atualizado, mas você sabe quantos livros e cursos novos são lançados diariamente? Atualmente, existe tamanho volume de informação disponível que ninguém consegue dar conta. E, por isso, vivemos nesse período de incoerências. Mas acredito que, futuramente, em quatro ou cinco anos, estaremos em outra fase. Essa é minha expectativa.
Quais elementos fazem parte de sua agenda de transformação? Como você percebe os atuais recrutamentos de seleção, como o de trainee, e a evolução de talentos?
S.E. Não acredito mais nos modelos de negócio do recrutamento de seleção e treinamento que acontecem atualmente. Ainda existem uma série de atividades a serem feitas. Por exemplo, o que tira meu sono é que, no ano passado, tivemos mais de 1,3 milhão de universitários, recém-formados e pós-graduados, passando por processos seletivos para estágio e trainee e não conseguimos fechar seis mil posições abertas por nossos clientes. Em alguns casos, eram mais de 2 mil candidatos por vaga e não foi possível encontrar a pessoa ideal. E isso é dramático! O que percebemos é que durante a fase de processos seletivos existe certo gap entre o que o mercado espera e alguns candidatos. Isso é principalmente ligado a competências não cognitivas e sócio-emocionais, nada técnicas, como protagonismo, resiliência, análise, trabalho em equipe e argumentação.
E, atualmente, a evasão nas universidades chega a 80%. Estamos falando de um jovem que entra em um curso, não se adapta, muda, não se adapta novamente, e muda de novo. Ele hoje muda de duas a três vezes até encontrar sua formação. Então, se isso acontece, é porque a juventude não está obtendo as ferramentas adequadas para tal escolha, que acontece tão cedo, por volta dos 17 anos. Por isso, criamos uma série de recursos para se trabalhar com estudantes do Ensino Médio, ajudando-os a entender seus interesses de carreira, mas utilizando a linguagem deles. Porque não adianta chegar com uma série de workshops e filosofar. Desenvolvemos uma série de games, daqueles que eles gostam mesmo, e conforme são desafiados e passam de fases, aparecem perguntas. E as respostas para essas indagações vão gerando informações, um grande big data para a gente. Além disso, enquanto jogam e brincam, vão recebendo informações de carreira.
Como se não bastasse, desde o primeiro dia de universidade começamos a aplicar assessments de carreira, nos moldes das avaliações dos programas de estágio e trainee, para já perceber os principais gaps a serem trabalhados. E, como estão todos no mesmo barco, fazemos isso em conjunto com escolas e empresas. Normalmente, as companhias não estão satisfeitas com a qualidade dos jovens, que estão angustiados e perdidos quanto ao seus futuros profissionais. As universidades querem muito formar e conseguem fazer isso pedagogicamente, mas não no aspecto sócio emocional. Por isso, nos reunimos e fizemos uma série de levantamentos das competências mais importantes para as organizações, independente do setor, e das características que a juventude está mais carente. Dessa forma, começamos a trabalhar isso desde o primeiro ano, levando-os a vivências em empresas, estágios de férias e companhias, mudando metodologias e dando aulas em conjunto com professores. Menos como palestra e mais como uma verdadeira construção de conhecimento.
Assim, saindo da universidade, esse jovem terá mais clareza de quem é e sua cultura e valores, que o levará a escolhas mais assertivas. E, como a empresa já vai possuir informações sobre esse público, selecionará de forma mais fácil e correta. Não precisaremos mais daqueles programas com 50 mil inscritos e 8 fases seletivas. Tudo ficará bem mais orgânico. Se conseguirmos que o brasileiro tenha mais autoconhecimento, saiba ser o protagonista de suas escolhas e tenha mais clareza em suas fortalezas, a retenção a médio prazo vai diminuir, pois as escolhas do funcionário na empresa será mais acertada. Hoje, o jovem escolhe como aprendeu no videogame, por acerto e erro, de forma mais superficial. No entanto, no jogo eletrônico, é possível errar, resetar e começar de novo. No mundo do trabalho, principalmente no início, é possível fazer isso, mas se essa troca acontecer muitas vezes, é possível perder empregabilidade.
Que dica você daria para um executivo que sonha em empreender mas que tem medo de arriscar sua posição na corporação em que atua?
S.E. Comece devagar e em paralelo. Experimentando um pouco, fazendo coisas envolvendo gente e sem abrir mão de uma vez. Empreender hoje no Brasil é muito difícil. Primeiro, porque vivemos uma superlotação de negócios. Segundo, porque não é todo mundo que consegue se desvencilhar da segurança corporativa. O que observamos nos dados da nossa pesquisa é que 77% da alta liderança gostaria de fazer outra coisa, entre elas, empreender. O número desse desejo na média gerência é ainda maior, chegando nos 83%. Entretanto, quando perguntamos o vínculo empregatício desejado, mais de 70% quer ser CLT. Ou seja, a maioria quer empreender, ser feliz, mas ao mesmo tempo quer segurança financeira. Mas, como falei anteriormente, é preciso escolher!
Acredito que o executivo quer empreender, mas é preciso avaliar se ele tem o perfil de um empreendedor. Porque, no mundo executivo, é possível ficar acostumado com segurança e estabilidade nos projetos e caminhos. Empreender é acordar cada dia com um desafio, vivendo o tempo todo em uma montanha russa e com frio na barriga, pois em um dia se tem cliente, no outro não. Um dia o fornecedor entregou e no outro é preciso correr atrás de outra coisa. Aí o governo muda a regra do jogo e tudo se transforma de novo. Você deve estar preparado para correr todos esses riscos e perder o chão debaixo dos pés. Se você não sabe viver sem um chão seguro, não tente empreender, pois você vai acabar frustrado.
O que vejo em algumas pessoas que resolveram empreender e voltaram para a vida executiva é o desejo de estar em um ambiente, principalmente o de grandes empresas, que está sempre atualizado com os melhores cursos globais, as melhores ferramentas e o melhor computador. Mas, na vida empreendedora, tudo isso você tira do próprio bolso. A não ser que você seja bilionário e já consiga iniciar uma empresa toda estruturada, você vai responder seus e-mails, atender seus telefonemas e pagar suas contas. Enfim, fazer tudo…
Qual o principal conselho que a Sofia de hoje daria a sua versão recém-formada saída do curso de Psicologia?
S.E. Diria para ela aproveitar as oportunidades que surgissem, assim como aproveitei. Como contei, tinha meu plano de carreira, queria sair da faculdade, trabalhar com educação e ter meu orfanato. Mas a vida me levou a me sustentar, apareceu uma vaga em Recursos Humanos e fui. Me dei a oportunidade de experimentar coisas novas e não planejadas. Não disse não a elas e as vivi. E aí me encontrei totalmente realizada.
O Steve Jobs falava uma frase que me impactou muito e concordo plenamente: “Você não consegue ligar os pontos olhando pra frente; você só consegue ligá-los olhando pra trás”. E é exatamente isso… Quando olhamos para a frente, é meio nebuloso. Sabemos onde queremos chegar, mas não sabemos como chegaremos lá. Mas, quando se olha para trás, a vida parece um jogo de ligue pontos e tudo fez sentido. Até porque, quando cheguei nos meus 50 anos, período que havia decidido montar o orfanato, não existia mais orfanato no Brasil. A regra do jogo mudou quase três décadas depois. E aí, percebi que já possuía um orfanato: o de jovens que buscavam orientação e eram vulneráveis no mercado de trabalho. Nunca imaginei que minha vida profissional ia se engajar no meu propósito seguinte, mas isso aconteceu.
Diria a ela para ser movida pelo novo, transformar e buscar fazer o melhor o tempo inteiro. Minha equipe brinca que não é fácil estar comigo no dia a dia, pois quando alcançamos nosso objetivo, que chamarei aqui de ilha, a ilha mudou para mais longe e é preciso nadar um pouco mais para chegar lá. E essa ilha nunca está presa, está sempre andando e continuará assim.