O título é uma pergunta que traz uma resposta que parece óbvia.
Mas, se olharmos atentamente para nossas ações e desejos, nem tanto.
Por muito tempo temos sido influenciados e alimentados por um desejo de igualar os seres vivos, os sistemas vivos às máquinas e aos sistemas mecânicos. Parece estranho? Vamos refletir.
Em uma visão geral, quando estamos diante de uma máquina ou um sistema mecânico, trabalhamos para que sua eficiência cresça constantemente. Queremos mais produtividade, mais previsibilidade, mais controle, melhores maneiras de mensurar o resultado, setup rápido, maior coerência, pouca manutenção, excelência, etc. Diante de um problema, queremos uma solução, um conserto rápido. Para isso, desenvolvemos modelos e métodos científicos para descobrir o defeito e eliminá-lo para que não volte a dar problema, analisamos os dados como observadores “do lado de fora”, descobrimos a causa raiz, montamos um plano de ação, garantimos que o imbróglio seja eliminado e criamos indicadores para ter controle total sobre os resultados.
Com uma oportunidade de evolução, de maior produtividade e eficiência, até assumimos um curto período de mudanças e instabilidade, desde que seja tudo muito bem planejado e que o resultado final esperado e o novo patamar estável sejam garantidos. Para isso, montamos um bom plano de change management, que rapidamente trará para o presente o novo patamar.
E quando estamos diante de (ou de um dilema ou desafio com) um ser humano, ou um sistema vivo, ou time, ou organização? Será que tentamos aplicar os mesmos modelos e métodos?
Parece que sim e que temos tentado definir um modelo, um método ou um processo que nos ajude a planejar o incerto, prever o inédito, controlar o não linear ou padronizar o incoerente.
Tentamos aplicar aquilo que tanto estudamos e aprendemos nas escolas de negócios, nas formações em gestão de projetos ou gestão da mudança, assim como de pessoas que estão fundamentados em princípios científicos do mundo mecânico.
Por isso, o convite sincero é que descubramos juntos novas possibilidades e caminhos para lidar com os dilemas complexos dos sistemas vivos, onde cada situação é inédita. Nesse lugar, não há certo ou errado, há o que funciona e o que não funciona. Diante de cada dilema, percebemos, refletimos, sentimos, “prototipamos” soluções e aprendemos, até que uma situação inédita aconteça novamente.
A ciência da complexidade, que estuda os sistemas vivos e suas interações, nos ajudará muito nesse caminho de descobertas de novas abordagens para lidar com os desafios do complexo, com os desafios do universo dos seres vivos, e, consequentemente, com os verdadeiros desafios da gestão de pessoas, da inovação, da mudança, da transformação, do engajamento de um time para um propósito, da cultura, da liderança, da sustentabilidade…
E, por onde podemos começar a conhecer, estudar ou experimentar essas novas abordagens da complexidade? As possibilidades são infinitas…
E, o mais interessante é que, ao começar a se envolver com o tema, percebemos que, na verdade, já somos bons praticantes e conhecedores, porque desde que nascemos, em todas as nossas interações com qualquer ser vivo, temos percebido, refletido, sentido, prototipado soluções e aprendido (e muito). Porém, ao longo do tempo, fomos nos distanciando desse aprendizado para dar espaço aos modelos mecânicos que foram ensinados nos cursos e tão valorizados nas exigências do dia a dia nas organizações.
Para começar essa semana, gostaria de presenteá-los com algumas citações e indicações de livros de autores que têm pesquisado profundamente o mundo da complexidade e outros autores que refletem sobre o, digamos assim, “mundo dos vivos”. São trechos de livros que me causaram um interessante estranhamento, por serem ao mesmo tempo algo muito diferente do pensamento usual e fazerem muito sentido. Se eles lhes causarem o mesmo estranhamento, faço o convite para pesquisarem mais sobre o que esses autores têm escrito e, quem sabe, podemos conversar e compartilhar nossas descobertas.
Por que, afinal, você gostaria de ser (ou ser tratado como) um ser vivo ou uma máquina?
Um dos livros mais interessantes para começar chama-se “As Paixões do Ego”, escrito pelo maior pesquisador brasileiro sobre complexidade, Humberto Mariotti. Alguns trechos interessantes:
“Precisamos do outro desde que nascemos: é ele quem confirma a nossa existência.”
“Não sabemos o que realmente somos: os outros é que nos dizem isso. No entanto, tudo fazemos para que eles tenham receio de nos contar o que pensam a nosso respeito.”
“Um dos grandes interesses da nossa cultura — talvez o maior deles — é manter o representacionismo, isto é, conservar a crença de que as informações já vêm prontas de fora e são descrições objetivas do mundo. Se tais informações já vêm prontas, e se sua percepção é representacional (e passiva), basta manipulá-las para manipular as pessoas que as recebem.”
“Competitividade. Por trás desse termo se esconde toda uma estratégia de preparação de seres humanos cada vez mais egocêntricos, para quem vencer implica sempre em derrotar alguém (…), eliminar o outro de quem depende a confirmação da nossa existência.”
“Os fenômenos humanos são sempre novos, mas não podem ser percebidos como tal por um processo de raciocínio que se baseia no velho. Se, ao nos depararmos com algo novo, procurarmos definí-lo em termos do antigo, não haverá possibilidades de reconhecê-lo, e muito menos de entendê-lo e prever sua evolução.”
“Daí surge uma das consequências mais perversas da racionalização: quanto maior a competência argumentativa, mais cresce a uniteralidade e a superficialidade com que os assuntos são tratados. Ao procurar convencer os outros de que está cada vez mais perto da verdade, o ‘bom’ argumentador vai eliminando, uma a uma, as possibilidades criativas da discussão. No limite, acaba por suprimir a diversidade e esterilizando o processo.”
“Eis a mentalidade criada pelo adestramento das pessoas para a ‘competitividade’. Ela começa pela negação da figura do outro. Este só existe para que possamos ver nele o que não queremos ver em nós próprios: a incompetência, os erros, os acidentes, os resultados da violência e assim por diante. Logo, não é de admirar que tenhamos dificuldade de entender que nossas potencialidades só podem ser desenvolvidas por meio da convivência.”
“Não se fazem mudanças com valores fixos e externos às pessoas. Inflexibilidade e imutabilidade não são sinais de coerência e sim de conservadorismo. O grande teste dos valores é a sua capacidade de proporcionar harmonia à convivência humana. Não há valores bons porque alguém disse que o são: eles adquirem ou não significado na prática da convivência. Numa palavra, o valor do outro é a origem de todos os demais.”
Outro livro bem interessante e focado para o mundo dos negócios e da liderança é o “Liderança para Tempos de Incerteza”, de Margaret J. Wheatley:
“Fico triste ao constatar que, nos últimos anos, desde que a incerteza se tornou nossa companhia constante, as estratégias de liderança deram um grande salto para trás, voltando ao território conhecido do comando e controle. Em parte, isso era esperado, já que os seres humanos fogem para o que conhecem quando confrontados com o desconhecido. Mas em parte fiquei surpresa, pois não sabia que somos tão estúpidos. Eu achava que tínhamos aprendido alguma coisa depois de tantos experimentos relacionados a inovação, qualidade e motivação humana. Por que não aprendemos que, sempre que tentamos controlar pessoas e situações, elas se tornam ainda mais incontroláveis?”
“Os problemas da diversidade desaparecem quando o importante é a contribuição para um propósito compartilhado e não a legislação a respeito do comportamento correto.”
“O preço que pagamos pela obediência é a perda de vitalidade e criatividade. Só se submete à direção de outra pessoa quem se faz de morto.”
Outras referências bem interessantes são os estudos e livros de Humberto Maturana, Francisco Varela e C. Otto Scharmer.
Alessandro Gruber é sócio-consultor Corall e escreve para o blog Gestão Fora da Caixa da Exame.