Fui dar um curso de comunicação para líderes de uma empresa que acabara de ter seu presidente brasileiro substituído por um da matriz europeia. O clima era de apreensão. Será que o novo executivo iria dar continuidade à gestão mais humanizada praticada por seu antecessor? Ou a sua tônica seria a de obter resultado a qualquer custo?
Cada pergunta que surgia me causava a sensação de que a energia do grupo ia se esvaindo, como uma chama que se apaga lentamente. No lugar das perguntas, vieram as reclamações e, com isso, experimentava a sensação de que eu estava frente a frente com um bando de garotos e garotas ressentidos com um pai ou uma mãe que os havia abandonado e não com líderes que tomavam decisões complexas todos os dias.
Como retirá-los desse transe? Cheguei a pensar em dar-lhes uma bronca, mas diante da suspeita de que agiam como crianças, essa tática tinha uma boa chance de torná-los ainda mais infantis. Aí me lembrei de uma história que ouvi certa vez do presidente de outra organização e resolvi recontá-la ao grupo.
Reunido com seu time de gerentes, o tal presidente recordava a época em que era chefe de setor de geotecnia em uma empresa de mineração. O mais jovem entre seus pares, confessa que não esperava receber o convite para assumir a responsabilidade pela gerência geral da mina, na medida em que lhe faltava não só idade como também experiência na função, opinião compartilhada por outros colegas. “Cheguei a questionar o diretor sobre minha nomeação, mas diante da confiança que ele demonstrava em mim, não titubeei e aceitei o desafio”, disse ele.
Assim que assumiu a nova posição, o diretor que o havia convidado saiu de férias. E qual foi a primeira medida que ele tomou? “Na frente do prédio administrativo, onde ficavam os escritórios e os vestiários da mina, eu podia ver um pequeno talude de terra onde os empregados, ao início e final de cada turno, tinham que subir e descer para chegar à rampa de acesso à mina. A mina ficava numa região muito árida e aquele morro de terra batida reforçava ainda mais esse aspecto desértico, sem vida, onde havia apenas terra desnuda que fazia lama e onde crescia apenas na época de chuva e mato. Foi aí que resolvi fazer uma pequena obra que tornasse o trajeto utilizado pelos colaboradores diariamente menos árduo e mais agradável”, relembra.
Resultado: em apenas 20 dias, ele construiu uma escada larga, gramou todo o entorno, plantou árvores nativas identificadas com plaquinhas e ainda afixou um painel grande com o nome da empresa. Assim que voltou de férias, o diretor ficou sabendo da novidade e imediatamente chamou seu pupilo para uma conversa. Para elogiá-lo? Não exatamente…
“Eu confio em você e, enquanto estou de férias, você gasta seu orçamento com obras supérfluas?”, indagou ele. Nem adiantou explicar que o orçamento não seria descumprido por causa desses gastos. Ou que a decisão de aplicar placas de grama ao invés de tufos espaçados era, a médio prazo, muito mais barata, à medida em que se economizava em rega e no trabalho do jardineiro. O diretor desaprovou veementemente a audácia de seu jovem gerente geral da mina.
Por outro lado, os empregados, inclusive os de outras áreas da empresa, adoraram o morrinho repaginado, que virou até ponto turístico e cenário para fotos em grupo. Mas o que estava por trás dessa obra ia muito além da escada e do jardim. O que o novo líder da mina queria era dar um sinal claro e rápido de que algo havia mudado na gestão e que aquela empresa se importava verdadeiramente com as pessoas. Mais tarde, ele também instalaria um jardim dentro da mina subterrânea, junto com banheiros decentes e com direito a uma festa de inauguração aberta a colaboradores de outras áreas que nunca haviam estado lá.
“Quero ver vocês plantando o seu jardim”, desafiou o agora presidente aos seus gerentes.
“Vocês podem escolher deixar sua marca e serem lembrados por isso ou passar por essa empresa como apenas mais um que passou por ela”.
No momento em que recontava essa história para os líderes que se inscreveram para meu curso sobre comunicação, percebi o mesmo silêncio respeitoso que presenciei quando a ouvi diretamente do presidente.
E tanto em uma quanto em outra situação, sentia que ali estavam mais uma vez homens e mulheres que, como adultos e líderes da organização, podiam refletir sobre as muitas possibilidades que eles tinham à mão para deixar sua marca e fazer o que desejassem fazer, desde que simplesmente assumissem a responsabilidade por isso.
Não faço ideia de qual seja o seu momento de vida. Talvez você já tenha construído o seu jardim. Talvez isso ainda não esteja em suas prioridades. Ou, quem sabe, ao ler este texto, se deu conta de que agora chegou a sua vez de fazê-lo. Nas palavras de Rumi, místico e poeta sufi do século XIII,
“Você nasceu com potencial. Você nasceu com bondade e confiança. Você nasceu com ideais e sonhos. Você nasceu com grandeza. Você nasceu com asas. Você não está destinado a rastejar, então não rasteje. Você tem asas. Aprenda a usá-las e voe”. Rumi
Fabio Betti é sócio consultor da Corall e escreve para o blog Gestão Fora da Caixa da Exame.